Objetivo
O objetivo do Programa é apoiar o desenvolvimento de informações científicas relativas à emissão de gases de efeito estufa para subsidiar a definição da política de atuação em mudanças climáticas.
A atuação em mudanças climáticas acontece tanto no âmbito interno como, principalmente, no âmbito externo. Deve-se ressaltar que o problema de mudanças climáticas está mais presente nas sociedades dos países desenvolvidos, que já atingiram um estágio de desenvolvimento que permite que questões globais tenham alta prioridade na agenda política desses países.
Outra característica importante deste tema é sua natureza de muito longo prazo e sendo, portanto, um problema entre gerações, envolvendo gerações atuais e futuras. A falta de ação pelas sociedades atuais nos diversos países penalizará as gerações futuras. Dentro dessa perspectiva, como a população que será afetada pelo problema ainda não nasceu, não há como se perceber a demanda da sociedade afetada. Visto de outro modo, as ações de mitigação que hoje se exijam e beneficiem as sociedades futuras, em certo grau, penalizam as sociedades atuais.
Estratégia
O Programa de Mudança do Clima nasce após a ratificação pelo Brasil da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em fevereiro de 1994. A estratégia do Programa foi definida pelo governo brasileiro, em especial pelos Ministérios da Ciência e Tecnologia e das Relações Exteriores, visando o atendimento dos compromissos iniciais do Brasil na Convenção.
A Convenção está baseada no princípio da responsabilidade comum mas diferenciada. O preâmbulo da Convenção sobre Mudança do Clima reconhece que "mudança do clima da Terra e seus efeitos negativos são uma preocupação comum da humanidade" e que "a natureza global da mudança do clima requer a maior cooperação possível de todos os países e sua participação em uma resposta internacional efetiva e apropriada, conforme suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades e condições sociais e econômicas." Também é observado que "a maior parcela das emissões globais, históricas e atuais de gases de efeito estufa é originária dos países desenvolvidos, que as emissões per capita dos países em desenvolvimento ainda são relativamente baixas e que a parcela de emissões globais originárias dos países em desenvolvimento crescerá para que eles possam satisfazer suas necessidades sociais e de desenvolvimento."
A responsabilidade é comum porque os gases de efeito estufa são misturados completamente na atmosfera em cerca de duas semanas e, então, não é possível atribuir diretamente as emissões aos países que lhes deram origem. Além disso, a responsabilidade é diferenciada porque alguns países são mais responsáveis pela causa do aquecimento global do que outros. Isso ocorre devido a diferenças de tamanho, população e nível de desenvolvimento; em outras palavras, ao nível de interferência antrópica no sistema climático.
São as emissões históricas que, acumuladas na atmosfera desde a revolução industrial, determinam o aumento da temperatura e, portanto, a responsabilidade dos países industrializados no aumento do efeito estufa é vastamente preponderante. A responsabilidade do Brasil no aquecimento global corresponde às suas pequenas emissões históricas, decorrentes de um processo de industrialização recente. Contudo, a Convenção está baseada no relato pelos países de suas emissões antrópicas anuais de gases de efeito estufa. Este fato faz com que as sociedades dos diversos países estabeleçam, erroneamente, uma relação direta entre emissões anuais e responsabilidade pelo aumento do aquecimento global. Grandes emissões de gases de efeito estufa no Brasil serão erroneamente associadas à responsabilidade do país em causar o aquecimento global, o que gerará um grave fato político.
Em conformidade com suas responsabilidades comuns mas diferenciadas os países desenvolvidos reconhecem e assumiram voluntariamente na Convenção que devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e a seus efeitos adversos.
A Convenção do Clima também reconhece que "o grau de efetivo cumprimento dos compromissos assumidos sob esta Convenção pelas Partes países em desenvolvimento dependerá do cumprimento efetivo dos compromissos assumidos sob esta Convenção pelas Partes países desenvolvidos, no que se refere a recursos financeiros e transferência de tecnologia, e levará plenamente em conta o fato de que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas das Partes países em desenvolvimento ".
Na Convenção, houve grande pressão, quer seja através do GEF, quer seja por meio de acordos bilaterais, para que houvesse por parte do governo brasileiro estudos para elaboração de planos ou medidas de mitigação e planos de vulnerabilidade e medidas de adaptação aos efeitos adversos da mudança do clima.
Em virtude dessas considerações, há a percepção no governo brasileiro que a ênfase em mitigação e vulnerabilidade corresponde a uma tentativa dissimulada de transferência do ônus do combate à mudança do clima para alguns países em desenvolvimento de modo a incluí-los no grupo de países com compromissos de redução ou limitação de emissões, o que contraria o espírito contido no texto da Convenção. Dentre esses países são considerados como "países-chave", com rápidos processos de desenvolvimento nos próximos anos, China, Índia, Brasil, México e Coréia do Sul.
Em decorrência dessa percepção, a estratégia proposta pelo governo foi a ênfase nos trabalhos de estudo do inventário brasileiro de emissões de gases de efeito estufa, que teria um duplo objetivo, diagnóstico da situação atual e foco apenas no compromisso inicial perante a Convenção. A estratégia adotada foi a de priorizar, no âmbito dos compromissos assumidos, os estudos sobre inventário em uma primeira fase, para posteriormente, com capacidade adquirida pelas instituições e especialistas envolvidos, implementar planos de mitigação e de adaptação e vulnerabilidade, também compromissos previstos na Convenção. Outro aspecto relevante foi a busca de ações em relação a educação, conscientização e divulgação do tema mudanças climáticas, dado o pequeno nível de informações existentes no Brasil sobre mudança do clima e, em especial, o reduzido número de publicações em português.
Assim, foram deixados para um segundo estágio e com um menor esforço num primeiro momento, apesar de não menos importante, os estudos de mitigação e vulnerabilidade. Houve ainda preocupação de que a estratégia no caso do inventário fosse a mais abrangente possível e que de forma a permitir a criação capacidade endógena no país. Em complemento, as atividades de conscientização e divulgação foram também priorizadas.
A preocupação com uma maior institucionalização do tema de mudanças climáticas, pelas características estratégicas do Programa, levou a criação por decreto presidencial, de 7 de julho de 1999, da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, com a finalidade de articular as ações de governo nessa área. Os Ministros da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente são, respectivamente, o Presidente e o Vice-Presidente da Comissão. O Ministério da Ciência e Tecnologia exerce a função de Secretaria-Executiva da Comissão e presta o apoio técnico e administrativo aos trabalhos do colegiado. A Comissão é integrada por representantes dos Ministérios das Relações Exteriores; da Agricultura e do Abastecimento; dos Transportes; de Minas e Energia; do Planejamento, Orçamento e Gestão; do Meio Ambiente; da Ciência e Tecnologia; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; e da Casa Civil da Presidência da República. No decreto de criação, está prevista a articulação com entidades representativas da sociedade civil, com participação de entidades públicas e privadas e especialistas.
O maior envolvimento de todos os setores do governo no tema será cada vez mais importante, em especial a partir deste ano, por causa da repercussão que deriva da publicação da primeira Comunicação Nacional do Brasil, e conseqüente divulgação das emissões brasileiras, que deverão ser proporcionais à importância da economia do país, à sua vasta extensão territorial e à sua grande população. É importante que haja uma adequada preparação da imprensa para entender os resultados e divulgá-los para a sociedade, bem como preparar o debate externo e interno que deve se seguir à divulgação.
Há, contudo, uma demanda de maior participação política por alguns setores da sociedade, em particular do setor industrial. Há, ainda, a sugestão de criação de um Foro Nacional sobre Mudanças Climáticas, que incluiria representantes do governo, setor empresarial e organizações não-governamentais envolvidas com o assunto, o que permitiria maior participação política no assunto.
Antecedentes
O Programa Mudanças Climáticas vem sendo desenvolvido desde junho de 1996 com recursos externos aportados pelo GEF-Global Environment Facility (US$1,500,000) e por um acordo bilateral com os Estados Unidos, no âmbito do "U.S. Country Studies Program" (US$400,000). Os recursos do GEF são previstos na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, no Artigo 4 parágrafo 3, que afirma que os países desenvolvidos devem prover recursos financeiros novos e adicionais para cobrir integralmente os custos por eles concordados incorridos pelos países em desenvolvimento no cumprimento de suas obrigações referentes ao Artigo 12. Em virtude dessa obrigação, o MCT decidiu que a implantação do Programa seria baseada inicialmente apenas nos recursos provenientes do GEF e ao longo dos próximos anos seriam feitos aportes graduais de recursos do orçamento para dar maior dinamismo e autonomia ao Programa. Contudo, durante a execução do Programa, novos recursos foram aportados mediante acordos com a Agência Nacional de Energia Elétrica (R$ 2.100.000,00), ELETROBRAS e IBAMA (R$ 50.000,00 cada) e pela FAPESP (projeto a cargo do CENA/USP), para a execução de estudos adicionais ou ampliações dos estudos previstos no acordo com o GEF/PNUD.
Os compromissos dos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, são descritos no Artigo 4, parágrafo 1, que estabelece obrigações comuns para todas as Partes, levando em conta as responsabilidades comuns porém diferenciadas dos países e suas prioridades de desenvolvimento, objetivos e circunstâncias específicos, nacionais e regionais, entre outros. Os principais compromissos são:
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elaborar, atualizar periodicamente, publicar e tornar disponível para a Conferência das Partes inventários de emissões antrópicas por fontes e de remoções por sumidouros de todos os gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal;
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formular, implementar, publicar e atualizar regularmente programas nacionais e, conforme o caso, regionais, que incluam medidas para mitigar a mudança do clima, bem como medidas para permitir adaptação adequada à mudança do clima;
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promover e cooperar para o desenvolvimento, aplicação e difusão, inclusive transferência, de tecnologias, práticas e processos que controlem, reduzam ou previnam as emissões antrópicas de gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal em todos os setores pertinentes, inclusive nos setores de energia, transportes, indústria, agricultura, silvicultura e tratamento de resíduos;
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promover e cooperar em pesquisas científicas, tecnológicas, técnicas, socioeconômicas e outras, em observações sistemáticas e no desenvolvimento de bancos de dados relativos ao sistema climático, cuja finalidade seja esclarecer e reduzir ou eliminar as incertezas ainda existentes em relação às causas, efeitos, magnitude e evolução no tempo da mudança do clima e as conseqüências econômicas e sociais de diversas estratégias de resposta;
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promover e cooperar na educação, treinamento e conscientização pública em relação à mudança do clima, e estipular a mais ampla participação nesse processo, inclusive a participação de organizações não governamentais.
O compromisso inicial na Convenção, citado no Artigo 12, é o de elaborar um relatório denominado Comunicação Nacional. Este relatório deverá apresentar o inventário brasileiro das emissões líquidas de gases de efeito estufa, não incluídos no Protocolo de Montreal, e a descrição geral das providências tomadas ou previstas no país para implementar a Convenção.
O Brasil está finalizando a elaboração de sua primeira Comunicação Nacional, incluindo o Inventário Brasileiro de Gases de Efeito Estufa.
A elaboração da Comunicação Nacional é um esforço multidisciplinar, envolvendo instituições e especialistas espalhados por todas as regiões do país. Além disso, tal Comunicação constitui em um grande desafio, tendo em vista a necessidade de desenvolver capacitação nacional na área, representando, em muitos casos, trabalho pioneiro e complexo.
Por sua abrangência e especificidade, considerando que serão abordadas as emissões dos principais gases de efeito estufa (CO2, CH4, N2O, CO, HFC, NOX, CF4, C2F6, SF6, entre outros) dos setores energético, industrial, florestal, agropecuário e de tratamento de resíduos, o inventário brasileiro de emissões antrópicas de gases de efeito estufa, não controlados pelo Protocolo de Montreal, está envolvendo especialistas em diversas disciplinas de cerca de 60 instiuições, envolvendo a participação de vários ministérios (MME, MMA, MT, MDICT, etc.), instituições federais (Petrobrás, Eletrobrás, Embrapa, INPE, entre outras), estaduais (Cetesb, Cemig, entre outras), associações de classe (SNIEC, IBS, ANFAVEA, ABAL, ABEGÁS, ABIQUIM, Bracelpa, entre outras), empresas e cooperativas privadas (Copersucar, White Martins, entre outras), organizações não-governamentais (Funcate, Fundação José Bonifácio, entre outras), universidades e centros de pesquisas (COPPE/UFRJ, USP, UFRS, UnB, entre outras).
Embora, de acordo com o princípio da responsabilidade comum porém diferenciada dos países, o Brasil não tenha compromissos de redução ou limitação de suas emissões antrópicas de efeito estufa, já existem no país uma série de programas que, apesar de não terem sido desenvolvidos levando em conta redução do aquecimento global, acarretam uma redução considerável das emissões de gases de efeito estufa. Algumas dessas iniciativas são responsáveis pelo fato do Brasil ter uma matriz energética relativamente "limpa" e foram tomadas devido ao aumento da dependência externa de divisas quando dos choques de preço de petróleo, como no caso do álcool, ou para adiar investimentos em novas centrais elétricas ou refinarias de petróleo, no caso dos programas de aumento de eficiência energética. Diversas outras iniciativas que estão sendo implementadas, em particular no combate ao desflorestamento, também contribuem para a inflexão da curva de emissões de gases de efeito estufa no país.
É importante salientar que, desde 1995, a divulgação de todos os trabalhos do Programa vem sendo realizada pela publicação eletrônica (de baixo custo) na Internet, por meio de página sobre mudança do clima no site do MCT em três línguas (português, inglês e espanhol) e já alcançando no final de 1999 cerca de 3000 páginas. Esse esforço foi considerado pioneiro na Convenção e serviu como modelo para o estabelecimento do próprio site do Secretariado da Convenção e em outros países em desenvolvimento. Além disso, a publicação do texto da Convenção em português foi realizada junto com o Secretariado da Convenção, com o apoio do PNUMA, Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente.
Um fato novo vem acelerando as discussões sobre ações de mitigação das emissões de efeito estufa. Na terceira Conferência das Partes, realizada em Quioto, Japão, em 1997, foi adotado o Protocolo de Quioto. De acordo com o Protocolo, os países desenvolvidos aceitaram compromisso diferenciados de redução ou limitação de emissões entre 2008 e 2012 (representando, no total dos países desenvolvidos, redução em pelo menos 5% em relação as emissões combinadas de gases de efeito estufa de 1990). O esforço econômico necessário para o cumprimento das metas que foram estabelecidas no Protocolo resultará em custos significativos para a economia de cada país industrializado. Em virtude desse reconhecimento, foram estabelecidos três mecanismos para auxiliar os países desenvolvidos no cumprimento de suas metas de redução ou limitação de emissões de gases de efeito estufa. Um desses mecanismos, definido como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL, nasce de uma proposta originalmente apresentada pelo Brasil nos trabalhos de preparação para Quioto e envolve países desenvolvidos e em desenvolvimento. Sua implementação interessa particularmente ao país, pois permitirá a transferência de recursos e tecnologias para a redução de emissões; não obstante, carece de regulamentação internacional no âmbito da Convenção.