Ampliando a Eficácia da Pesquisa para Auxiliar o Desenvolvimento da Política Internacional sobre Mudança do Clima
Uma breve explicação
Este Projeto, aqui apresentado apenas o Capítulo A2 sobre as conclusões a respeito do Brasil, foi custeado em conjunto pelos governos holandês e norte-americano e conduzido por Science & Policy Associates, Inc. (US), the Free University Institute for Environmental Studies e Klabers Management and Policy Consultancy (NE).
Este projeto foi realizado por meio de uma série de entrevistas em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro e os pontos de vista expressados aqui representam uma interessante amostra do que os especialistas brasileiros pensam sobre o assunto mudança do clima.
O Brasil é marcado por diferenças regionais no que se refere à economia, à poluição ambiental, e à proporção em que necessidades básicas sócio-econômicas e ambientais são atendidas. Essas diferenças foram refletidas nas respostas dadas por entrevistados em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Os participantes de São Paulo mostraram-se otimistas em relação ao potencial tecnológico de sua região e às oportunidades de abordar a mudança do clima por meio da implementação de tecnologias mais limpas. Além das diferenças regionais, todas as pessoas entrevistadas manifestaram opiniões individuais sobre o problema e suas soluções, formando um quadro multifacetado dos pontos de vista de comunidades brasileiras específicas em relação à mudança do clima.
Apesar das diferenças, parece haver alguns temas básicos sobre os quais os brasileiros chegaram a um consenso nacional. Enquanto o Brasil é um dos maiores países do mundo, com potencial e recursos tremendos, sua economia ainda está se desenvolvendo. Existem pontos básicos a serem tratados, como a pobreza, oferta de empregos, educação, e problemas ambientais locais graves, que não coincidem automaticamente com as metas e objetivos da Convenção do Clima. Os brasileiros, embora cientes dos perigos do desmatamento, parecem estar decepcionados com as atitudes do mundo industrializado. Eles vêem o Norte como o causador do problema climático e colocam-se na defensiva quanto às tentativas de lançarem-se acusações e julgamentos sobre o Brasil. Do ponto de vista brasileiro, os países industrializados enfatizam as atividades ambientais negativas do Brasil, fechando os olhos para os desenvolvimentos positivos realizados pelo país.
Os representantes empresariais entrevistados acreditam que, apesar das incertezas científicas, a eficiência de recursos e energia deve ser melhorada em face da mudança do clima. Na opinião deles, é importante encontrar combustíveis alternativos com vistas a aumentar a competitividade internacional, o que resultará na redução de emissões. A comunidade empresarial prefere instrumentos direcionados ao mercado, em particular, os introduzidos internacionalmente. Representantes governamentais, acadêmicos e de ONGs ambientais no Brasil também apoiam a introdução e a implementação do mercado global e de instrumentos financeiros.
Entrevistados do governo tendem a reconhecer a questão da mudança do clima, mas são forçados a se concentrar em necessidades imediatas e, dessa forma, a adiar a abordagem do problema. Eles enfatizam a necessidade de educar o público para que se exerça pressão para a tomada de iniciativa em relação à mudança do clima. Eles também argumentam em favor de informações científicas apuradas, principalmente sobre os efeitos da mudança do clima. Entrevistados de ONGs ambientais e comunidades acadêmicas tendem a questionar padrões de desenvolvimento mais profundos que promovam esforços para a ligação de ambiente e desenvolvimento.
PERCEPÇÕES SOBRE O TEMA DA MUDANÇA DO CLIMA
Percepções
A maioria dos entrevistados de todos os setores se mostrou ciente das contribuições potenciais do Brasil para a mudança do clima e de seus efeitos. Fontes de emissões mencionadas incluíram o tráfego e as queimadas em florestas e terras de cultivo de cana de açúcar. Como exemplos de efeitos da mudança do clima, foram mencionados os padrões climáticos do El Niño e secas nas regiões áridas. De forma geral, esses entrevistados estavam bem conscientes de que o desmatamento pode agravar a mudança do clima e afetar o prestígio internacional do Brasil. Algumas pessoas salientaram, contudo, que o Brasil está tratando dessa questão e que, com a aceleração do processo industrial, suas emissões de CO2 de combustíveis fósseis podem ultrapassar a contribuição das queimadas para a mudança do clima. Além disso, um entrevistado do governo afirmou que a condição da zona costeira do Brasil é de importância vital para a nação. Tendo em perspectiva a zona costeira, o Brasil deve levar a mudança global do clima em consideração em todas as suas decisões.
Por outro lado, pessoas de vários setores declararam que a mudança do clima não é um problema de grande proporção para o Brasil, e que a contribuição do Brasil para a mudança do clima é pequena. Além do mais, o Brasil promoveu avanços no que se refere à conversão para fontes de energia renováveis, como o etanol e a energia hidrelétrica, diminuindo suas taxas de emissão. Para alguns desses entrevistados, particularmente na comunidade acadêmica, o Brasil não é uma fonte, mas um importante sumidouro de CO2. Esses entrevistados também acreditam que o Brasil não se tornará um grande emissor de gases de efeito estufa no futuro porque os combustíveis fósseis são responsáveis apenas por uma parte muito pequena do uso de energia do país. Um entrevistado afirmou que o caso do Brasil é único, devido às suas baixas emissões em relação ao nível de industrialização do país; sua geografia ofereceu opções hídricas para a produção de energia; o desmatamento bruto está sendo melhorado com as rebrotas; a questão do combustível na Amazônia está sendo solucionada com política de desenvolvimento sustentável; e o Brasil está gastando $1 bilhão para fiscalizar e proteger a região amazônica.
Quando foram perguntados sobre o papel do governo em tratar da questão da mudança do clima, contudo, os entrevistados foram mais críticos. Alguns deles acharam que o governo brasileiro não está preparado nem disposto a promover ações sobre mudança do clima, e que o governo se coloca na defensiva devido à questão do desmatamento da Amazônia. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) de 1992 no Rio, de acordo com um ex-oficial do governo, foi usada como uma oportunidade de melhorar a imagem do Brasil, que sofria com as notícias da queima de florestas amazônicas. É o Ministério brasileiro de Relações Exteriores, não o Ministério do Meio Ambiente, quem define a política de mudança do clima. Além disso, a atenção geralmente dada a essa questão é muito pequena.
A maioria dos entrevistados concordaram que o público brasileiro não está bem informado sobre a questão da mudança do clima. Os brasileiros pressionam o governo no sentido de cuidar de problemas atuais como a pobreza, a inflação, o desemprego e a poluição local, em detrimento de questões a longo prazo, como a mudança do clima. Brasileiros mais pobres não são bem informados sobre questões relacionadas com o clima e o desenvolvimento sustentável porque vivem dia a dia em nível de subsistência. O Brasil é uma sociedade muito estratificada.
Por outro lado, vários entrevistados sentem que a conscientização pública sobre problemas ambientais é mantida pela mídia. Alguns entrevistados de São Paulo consideraram sua região como mais educada, e mais consciente e motivada para tratar de questões ambientais do que as outras regiões do Brasil. Até mesmo as que estão cientes da questão podem não lhe dar prioridade sobre interesses nacionais, em vista de limitações orçamentárias.
Vários entrevistados acharam que a única coisa que poderia aumentar a conscientização brasileira em relação à mudança do clima seria uma catástrofe. Outros sentem que a comunidade científica pode aumentar a conscientização do público em geral e de oficiais do governo em relação à mudança do clima e de seus impactos econômicos. De acordo com a maioria dos entrevistados, efeitos diretos da mudança do clima podem ser demonstrados, fazendo-se necessárias para isso, pesquisas sobre desastres locais, como enchentes e secas.
Sustentabilidade
Alguns entrevistados expressaram a opinião de que o desenvolvimento sustentável não é uma questão de grande importância no Brasil, em parte devido às suas fontes limpas de energia. A maioria, contudo, acredita que a mudança do clima deve ser abordada no contexto do desenvolvimento sustentável. ONGs ambientais e ONGs da indústria e do comércio acharam essa união necessária para que as pessoas atentem para a questão da mudança do clima. Além disso, todos os entrevistados mencionaram a importância do inter-relacionamento de floresta e desenvolvimento sustentável. As florestas fornecem sumidouros de CO2, materiais, e biodiversidade, constituindo todos eles benefícios ao Brasil e ao mundo.
Por outro lado, sugestões do mundo industrializado, como selos verdes e outras opções de política ambiental compreendidas pelo conceito de desenvolvimento sustentável, são vistas por alguns brasileiros como sendo movidas, possivelmente, por intenções imperialistas e protecionistas do Norte. Antes de serem aceitas pelos brasileiros, essas opções devem provar serem beneficiais a eles.
Conscientização Entre Setores
A indústria e a agricultura estão começando a ficar mais cientes da questão da mudança do clima, de acordo com alguns entrevistados. Pessoas nesses setores estão se defrontando com recursos hídricos cada vez menores, o que afeta a produção de energia hidrelétrica e a água para consumo. Eles questionam se essas ocorrências são anomalias incidentais do clima ou são fruto da mudança do clima. A indústria açucareira se considera "ambientalmente amigável", porque o açúcar é tido como uma fonte de energia renovável. Entretanto, isso não é típico da indústria brasileira como um todo.
Outros setores mencionados por estarem ficando mais conscientes em relação à mudança do clima são as indústrias de gás natural, papel e celulose e a indústria química, que foi afetada pelo Protocolo de Montreal. Esses setores vêem, nessa questão, oportunidades econômicas para aumentar a competitividade. Indústrias, como a de automóveis, aço e petróleo, vêem a mudança do clima como uma ameaça.
Envolvimento Nacional
Em geral, os entrevistados foram de opinião de que o Brasil tem abordado a questão da mudança do clima de maneira mais eficaz que outros países da América Latina. Alguns citaram como exemplo a ênfase dada pelo Brasil aos recursos renováveis nas políticas energéticas. Quando comparado com nações industrializadas, contudo, todos consentiram que o Brasil está bem atrás. Todos os entrevistados esperam que, no futuro, o envolvimento do Brasil aumente de alguma forma, movido, primeiramente, pela cooperação e pressão internacionais.
INTER-RELACIONAMENTOS E CENÁRIOS DE GANHO MÚTUO (WIN-WIN)
Vários entrevistados apontaram como uma falha do Brasil o não inter-relacionamento adequado da mudança do clima com outras questões. Isso vale para outros assuntos globais, como o desenvolvimento sustentável, e questões de interesse nacional, como a poluição. Todavia, muitos inter-relacionamentos que já foram feitos ou poderiam ser realizados num futuro próximo foram sugeridos. Eles incluem:
Padrões de desenvolvimento sustentável;
Poluição local do ar;
Eficiência de combustível para automóveis e outros usos;
Queimadas em florestas e terras de cultivo de cana de açúcar;
Fornecimento de água e a predisposição para secas e enchentes;
Problemas relacionados com o fornecimento de energia;
Modernização industrial para melhorar a eficiência;
Redução de CFC;
Controle de poluição e resíduos;
Política tecnológica para abordar o crescimento e as emissões de forma abrangente;
Política populacional; e
Função da biodiversidade e do ecossistema.
RESTRIÇÕES E DILEMAS
Todos os entrevistados concordaram que as principais metas para políticas no Brasil são o desenvolvimento econômico e o aumento da competitividade internacional das firmas. Um aumento da renda per capita inevitavelmente levaria a um aumento nas emissões, pelo menos, temporariamente. O desafio do Brasil é maximizar o crescimento, minimizando a degradação ambiental. As restrições e dilemas específicos que os definidores de política enfrentam em seus esforços para abordar a mudança do clima mencionados pelos entrevistados estão listados abaixo.
Falta de capital;
Falta de educação;
Crise e instabilidade;
Desmantelamento do setor público resultante de cortes no orçamento;
Escolha por fontes de energia entre combustíveis fósseis e biomassa;
Tendência à autoprodução doméstica sem examinar a eficiência energética;
Ambigüidade dos indicadores;
Envolvimento de cientistas de países recentemente industrializados em encontros internacionais sem terem capacidade de contribuir significativamente;
Falta de diálogo entre ciência e política;
Falta de diálogo entre disciplinas científicas;
Falta de imposição de leis e normas ambientais;
A natureza controversa da questão da mudança do clima;
Constituição desatualizada;
Variações regionais dentro do país;
Tendências latino-culturais em priorizar questões de curto prazo, resistindo à mudança;
Estagnação de iniciativas internacionais para abordar a mudança do clima; e
Bloqueios à transferência tecnológica, como questões de financiamento e propriedade.
OPÇÕES DE POLÍTICA E NECESSIDADES DE PESQUISA
Opções de Política
Os entrevistados brasileiros sugeriram um número de opções para a abordagem da questão da mudança do clima. Vários entrevistados mencionaram que opções a curto prazo não são realmente disponíveis devido ao período recente de caos político e econômico no Brasil. A isso se junta a opinião de muitos entrevistados de que o Brasil não tem tendência a planejar a longo prazo. Apesar disso, as seguintes opções foram mencionadas:
Relacionar ambiente e metas de desenvolvimento;
O desenvolvimento de tecnologia no setor energético que aumente a eficiência e o uso de combustíveis de baixo nível de emissões;
Estabelecer política de preços dos energéticos de forma a refletir externalidades e estimular sua conservação;
Desenvolver padrões industriais de eficiência energética;
Tratar da poluição urbana do ar com a redução das emissões dos automóveis;
Utilizar gás natural no transporte;
Coordenar investimentos para aproveitar a tecnologia disponível;
Concentrar em abordagens "no-regrets" e que reduzam custos, como a reciclagem de resíduos, para evitar resistência por parte da indústria;
Introduzir instrumentos econômicos, financeiros e de mercado;
Estabilizar a população interna;
Importar gás natural da Argentina e da Bolívia;
Desenvolver práticas agrícolas mais eficientes;
Divulgar informações e aumentar a conscientização pública sobre a questão da mudança do clima;
Incentivar contratos formais e outros tipos de cooperação entre o governo e a indústria para estimular a eficiência energética e outras metas;
Definir novos instrumentos e indicadores para abordar a sustentabilidade;
Desenvolver um índice confiável para a qualidade de vida que o público possa entender e no qual possa fiar-se;
Melhorar a qualidade dos produtos que podem ser extraídos de florestas sem provocar destruição;
Aproveitar a capacidade de sumidouro de carbono do Brasil no processo de negociação internacional;
Melhorar a comunicação entre os mundos industrializados e os em desenvolvimento;
Desenvolver projetos de implementação conjunta;
Desenvolver metas e prazos internacionais para a redução de emissões;
Introduzir uma penalidade no comércio mundial pela emissão de CO2;
Invocar a ciência para embasar questões de compartilhamento do ônus;
Dividir as negociações internacionais em grupos com situações semelhantes para que os maiores emissores possam chegar a uma posição antes que outros grupos sejam incluídos;
Tomar posições pró-ativas nas negociações internacionais; e
Utilizar a capacidade científica do Brasil para contribuir internacionalmente.
Necessidades de Pesquisa
Muitos entrevistados apoiam as estratégias envolvendo a ampliação de pesquisa e educação, juntamente com a capacitação institucional na área de interface entre política e ciência. As opiniões divergiram sobre a contribuição específica que a ciência pode fornecer. Muitos entrevistados consideram a ciência importante para estabelecer um consenso entre o governo e a indústria. Alguns entrevistados foram cépticos sobre a contribuição da ciência para a definição da política de mudança do clima. Eles disseram que as decisões sobre políticas a serem adotadas são movidas, primordialmente, por fatores sócio-econômicos e que a pesquisa simplesmente emoldura o debate.
Vários entrevistados apoiaram a capacitação institucional para a colaboração na área de pesquisa entre países industrializados e países recentemente industrializados. Outros citaram a necessidade de pesquisa e comunicação mais interdisciplinar para fornecer novas perspectivas e evitar duplicação de esforços.
Os entrevistados citaram um número de necessidades de pesquisa específicas para embasar eficientemente as tomadas de decisão sobre mudança do clima. Exemplos de tópicos nos quais as pesquisas deveriam se concentrar são:
Opções de desenvolvimento a longo prazo em relação ao sistema climático;
Inventários das emissões;
Cenários regionais e locais do clima;
Tecnologias de adaptação;
Eficiência energética, biogás em turbinas, e biotecnologia;
O impacto biológico e social do aquecimento global sobre a Amazônia e grandes plantações;
Mecanismos para conduzir de forma mais eficiente o comportamento social;
Desenvolver um índice de qualidade de vida;
Desenvolver indicadores para ajudar a selecionar opções de política;
Quantificar as externalidades sociais e naturais da mudança do clima;
Análise do custo/benefício dos efeitos do clima para identificar vencedores e perdedores;
Indicações para a cobertura de florestas;
Usos alternativos para florestas;
Novos estilos sociais e culturais de vida;
Estratégias e processos agrícolas;
Fatores sociais como a reforma agrária e estabilidade política; e Métodos de adaptação.