O Brasil encaminhou uma proposta de projeto ao GEF solicitando assistência financeira para a elaboração de sua primeira comunicação nacional para a Conferência das Partes, de acordo com o Artigo 12 da Convenção. Fará parte da Comunicação do Brasil um inventário de gases de efeito estufa em 1990, realizado de acordo com a metodologia do IPCC, uma descrição geral das providências tomadas ou previstas pelo Brasil para implementar a Convenção e outras informações relevantes sobre medidas de políticas, tecnologias e pesquisas relacionadas à mudança do clima.
Na elaboração do seu inventário, o Brasil utilizará a metodologia do IPCC, conforme apropriado. O inventário conterá dados relativos às emissões de dióxido de carbono (CO2), metano (NH4), óxido nitroso (N2O), monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx), FFCs e HFCs produzidas pelos setores energético, industrial e agropecuário, assim como de tratamento de resíduos e mudança no uso da terra e silvicultura. Dada a extensão do Brasil e a limitação dos dados disponíveis em várias dessas áreas, o custo desse estudo é relativamente alto.
Estima-se que as despesas para a preparação de um inventário final completo seriam da ordem de aproximadamente US$ 7.000.000. Isso fez com que o governo brasileiro solicitasse ao Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) um financiamento de cerca de US$ 3 milhões para complementar um trabalho inicial a ser desenvolvido no âmbito do US Country Study Initiative. A parte mais cara da elaboração do inventário, ou seja, a análise do setor de mudança no uso da terra e silvicultura, será custeada pelo governo brasileiro, que fornecerá imagens do satélite LANDSAT, a um custo anual de cerca de US$ 1 milhão, e também iniciará um projeto para atualizar as estimativas das taxas do desflorestamento bruto na Amazônia, com base nas análises das imagens do LANDSAT para o período de 1992 a 1994 (custo estimado em US$ 1,5 milhão).
O governo brasileiro está disposto a cobrir uma parcela substancial do total estimado de US$ 7 milhões necessário para a elaboração da Comunicação Nacional do Brasil, relativa às instalações físicas, equipamentos e equipe de apoio ao projeto. Isso foi decidido com base no fato de que essas atividades justificam-se não apenas em vista do compromisso assumido pelo país de produzir sua comunicação nacional, mas também por outras razões não relacionadas à Convenção especificamente. Foi inicialmente acordado que o GEF custearia apenas US$ 1,5 milhão, o que não chega à metade do que foi solicitado. Essa quantia é, absolutamente, o mínimo a ser financiado pela Convenção e se não for concedido, é muito improvável que o governo brasileiro consiga mobilizar todos os recursos necessários.
Surpreendeu-nos, contudo, a carta recebida do GEF recentemente, informando que, de acordo com a sua "Estratégia Operacional Provisória", as possibilidades do projeto brasileiro ser aprovado eram muito remotas. Foi mencionado na carta que o principal obstáculo à aprovação da proposta foi que a nova "estratégia operacional" - ainda provisória porque será submetida para aprovação no próximo encontro do Conselho do GEF - conta com apenas poucos milhares de dólares para atividades de capacitação na preparação de inventários de gases de efeito estufa. Também menciona que "os inventários devem basear-se na análise dos dados econômicos e industriais disponíveis, utilizando coeficientes padrão e a metodologia do IPCC, e não devem incluir levantamentos de dados primários, censos ou pesquisas econômicas sobre fatores específicos do país, exceto se a precisão obtida com essas atividades influenciar, sensivelmente, a identificação de opções de mitigação".
Ainda nessa carta menciona-se que o projeto brasileiro proposto conta com o envolvimento de uma série de instituições para coleta e análise de dados adicionais e prevê recursos consideráveis para a digitalização e sobreposição de mapas de vegetação e pesquisa sobre fatores de emissão específicos em diferentes áreas, o que seria bastante difícil de justificar perante o GEF, especialmente porque essas atividades vão além de um simples inventário "de escritório".
A alternativa sugerida pelo GEF seria manter a proposta original do projeto desde que o Brasil incluísse análise de mitigação e avaliação de vulnerabilidade. Esses elementos, contudo, não são contemplados nas disposições da Convenção, de acordo com a qual não é exigido que as Partes não-Anexo I adotem medidas de mitigação, nem mesmo incluam essas políticas e medidas de mitigação em suas comunicações nacionais. De acordo com o Artigo 12 da Convenção, as comunicações nacionais desses países devem incluir apenas os itens (a) e (b) do parágrafo 1 desse Artigo. Essa solução é, obviamente, inaceitável para o Brasil.
O governo brasileiro insistirá em sua proposta porque acredita que o projeto da Comunicação Nacional do Brasil pode ajudar a testar e aperfeiçoar as metodologias e diretrizes do IPCC, especialmente em relação ao setor de mudança no uso da terra e silvicultura, que requer coleta substancial de dados, inclusive com a utilização de satélites. Essa iniciativa certamente contribuirá para diminuir o grau de incerteza com relação ao ciclo do carbono e às emissões decorrentes do desflorestamento. As emissões líquidas do desflorestamento tropical são uma grande fonte de incerteza no conhecimento do ciclo do carbono, da ordem de mais ou menos 1 bilhão de toneladas de carbono ao ano. Esse projeto, contribuindo para a redução dessa incerteza para mais ou menos 50 milhões de toneladas de carbono ao ano no caso do Brasil, afetará o grau de incerteza sobre o ciclo do carbono no mundo todo. A utilização da metodologia brasileira em outros países pode contribuir para a redução da incerteza sobre o ciclo global do carbono em cerca de 70% do nível atual. É interessante observar que a própria questão da eficácia das medidas de limitação de emissões em nível global, em termos da estabilização das concentrações, e portanto da contenção da própria mudança do clima, depende muito do grau de incerteza no conhecimento do ciclo do carbono. Visto ser relativamente alto o custo das medidas de mitigação no setor de energia nas Partes do Anexo I da Convenção, pode-se argumentar que o investimento nesse projeto, só por reduzir as incertezas sobre o ciclo global do carbono já trará um retorno econômico significativo, permitindo que o escopo das medidas de mitigação seja otimizado, de acordo com a sua eficácia.
O Brasil não acredita que todas as comunicações das Partes não-Anexo I serão assim tão abrangentes. Muitos outros países optarão por elaborar suas comunicações nacionais de forma mais simples, com base em estimativas e utilizando fatores default do IPCC na ausência de dados precisos. Para o Brasil, contudo, tendo em vista a extensão das suas florestas e a dinâmica e a diversidade das suas atividades econômicas, essa abordagem não seria apropriada. A metodologia do IPCC para o inventário de emissões, especialmente no tocante ao setor de mudança no uso da terra e florestas, ainda é relativamente vaga. Como essa metodologia prevê o uso de valores default e poderia, em princípio, ser utilizada para justificar uma abordagem rápida "de escritório" na elaboração de um inventário nacional, ela, claramente, não se justifica em bases técnicas, científicas ou políticas no caso do Brasil. Na realidade, é necessário aperfeiçoar vários aspectos da metodologia existente de forma a obter dados mais precisos sobre, por exemplo, as emissões do desflorestamento. O Brasil tem cerca de um terço das florestas tropicais do mundo e uma estimativa precisa da taxa de desflorestamento bruto e líquido é, por si só, uma realização importante tanto para o Brasil quanto para a comunidade internacional, com implicações que vão além da esfera da mudança do clima.
É importante também enfatizar que, de acordo com o Artigo 12.5, o prazo final para a submissão da Comunicação Nacional do Brasil deve ser de 3 (três) anos após a entrada em vigor da Convenção para o Brasil ou três anos a partir da liberação de recursos pelo mecanismo financeiro. Em vista do fato de que se consome um tempo razoável na elaboração de projetos de acordo com os critérios do GEF para que possam ser aceitos para consideração por esse mecanismo, é mais provável que a segunda condição prevaleça, ou seja, apenas após três anos a partir da data de aprovação do projeto brasileiro é que a nossa comunicação nacional será entregue. Como efeito indesejado, haverá um possível atraso em todo o processo de implementação da Convenção, possivelmente influenciando a atitude de outras Partes não-Anexo I da Convenção.