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Mudanças Climáticas
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Discurso Proferido pelo Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, Prof. José Israel Vargas

Senhora Presidenta,
Prezados colegas Ministros,
Caros Cientistas,
Senhores e Senhoras,

A maior atenção internacional sendo dispensada a questões ambientais é um sinal de maturidade e sabedoria. O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso tem buscado ativamente atingir a meta do desenvolvimento sustentável do nosso país. O Brasil se orgulhou e ainda se orgulha muito de ter sediado um evento que foi um marco nesse processo: a chamada Rio-92, cujo resultado constitui a inspiração e essência de todas as preocupações internacionais e possíveis ações em prol do desenvolvimento sustentável.

Nós podemos, portanto, entender o sentimento de orgulho e responsabilidade mostrado por nossos anfitriões alemães ao nos reunirmos aqui, nesta Primeira Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

Nesse sentido, eu gostaria de agradecer, por meio da senhora Presidenta, às pessoas e ao Governo da Alemanha pela calorosa hospitalidade e por todos os esforços sendo feitos para assegurar que neste encontro seja dado um passo válido e efetivo em direção à implementação desta Convenção de suma importância.

No Rio, o mundo passou a perceber que, após séculos de utilização inadvertida dos recursos naturais, o processo de industrialização e o crescimento econômico trouxeram riqueza e bem-estar sem precedentes para uma parte da população mundial, mas a um custo bem alto para a qualidade do meio ambiente em escala global.

Enquanto os benefícios do desenvolvimento concentram-se nas nações ricas, os problemas que dele derivam, como a poluição industrial e química, a destruição da camada de ozônio, a crescente geração de lixos tóxicos, assim como a mudança do clima, tendem a atingir o mundo todo e podem pôr seriamente em risco o meio ambiente e a vida humana, tanto nas nações desenvolvidas como nas em desenvolvimento.

Dentre essas novas "questões globais", uma das principais preocupações dos cientistas, ambientalistas e formuladores de políticas é o aumento antrópico do efeito estufa, que necessita ser tratado por meio de políticas e medidas adequadas de forma a evitar conseqüências irreversíveis e catastróficas para todo o sistema climático.

A mudança do clima é, talvez, o mais difícil de todos os desafios ambientais globais enfrentados pela humanidade, às portas do século XXI. Ela representa um desafio tanto em relação à sua escala, como ao seu escopo e à sua complexidade.

A mudança do clima está relacionada a impactos ambientais que são, sem sombra de dúvida, de escala verdadeiramente planetária e que afetarão gravemente o futuro comum da humanidade.

Os historiadores nos mostraram como, no passado, civilizações e sociedades inteiras foram eliminadas por mudanças incrementais naturais nas temperaturas médias, aparentemente insignificantes mas fatais a longo prazo.

Na atualidade, nossas sociedades enfrentam o dilema gerado pela revolução industrial dos dois últimos séculos e pelos modelos de produção e consumo não-sustentáveis que a seguiram. Certamente não é preciso lembrar os senhores que a discussão sobre a mudança do clima está sendo mantida, não como há alguns anos, sobre um pano de fundo novo e diferente, característico do final da recessão econômica mundial, que certamente trará mais emissões antrópicas de gases de efeito estufa.

Principalmente devido às ações antrópicas, nossa própria sobrevivência como civilização e espécie está, portanto, em jogo no momento, assim como a própria sobrevivência da Natureza – a Natureza tal qual a conhecíamos, passando-nos, até, desapercebida, em sua forma mais aparentemente imutável e quase divina: o ciclo das estações.

Combater a mudança do clima induzida pelo homem também constitui um verdadeiro desafio global por causa do seu escopo, uma vez que a mitigação dos efeitos que levam ao aquecimento global implica, necessariamente, em trazer à mesa de negociações os mais diversos interesses legítimos de várias nações.

Todos os problemas ambientais verdadeiramente globais formulam a difícil equação de integração, sob a nossa responsabilidade comum pela sustentabilidade global, de interesses nacionais de "geometria variável", dependendo das principais questões que aborde.

A discussão da mudança do clima também é, por fim, talvez a mais complexa de todas as questões ambientais globais, uma vez que, quer seja do ponto de vista de suas premissas, metodologias ou estudos puramente científicos, quer seja da perspectiva do que realmente está em jogo em termos do desenvolvimento sustentável e bem-estar das populações de todo o mundo, ela nos confronta com o desafio de unir uma gama inacreditavelmente ampla de elementos para a consideração séria da questão.

Necessariamente variadas são as expressões de conhecimento científico sobre essa questão. Não necessariamente coincidentes são os pontos de vista políticos nacionais. De forma mais lastimável ainda, há, com certeza, entre os principais atores dessa discussão, diferentes nuanças na expressão correta de preocupações com a eqüidade das soluções do problema.

Pode ser, portanto, que a entrada em vigor e a implementação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) represente, de fato, um dos maiores passos para a consideração, pela comunidade internacional, dos principais desafios globais com os quais nos confrontamos neste final de século.

Esse instrumento legalmente vinculativo, que está prestes a receber reconhecimento universal, oferece a pedra angular sobre a qual devemos construir, de maneira pragmática e não confrontante, o conjunto de modos e meios para alcançar "o objetivo final de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático".

A UNFCCC também encerra princípios muito importantes aos quais nos devemos ater e que são pertinentes não apenas à questão do próprio aquecimento global, mas também à malha geral de consenso internacional sobre desenvolvimento sustentável que foi tecida e aceita pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio.

Irei apenas lembrar os mais importantes, esperando que eles possam sempre guiar os nossos passos: "o princípio da precaução", "o princípio do poluidor-pagador", "o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas", assim como aqueles relacionados ao "direito ao desenvolvimento", "uma parceria global com base na eqüidade", "a divisão de benefícios decorrentes de avanços tecnológicos", "a cobertura da internalização de custos adicionais pelos países em desenvolvimento por meio de recursos novos e adicionais, além da assistência para o desenvolvimento", sem esquecer dos conceitos mais importantes de "padrões insustentáveis de produção e consumo" e do próprio desenvolvimento sustentável, que coloca as preocupações ambientais e de desenvolvimento nessa perspectiva recém integrada.

Por toda sua complexidade, suas implicações sociais e econômicas e os modelos sem precedente de cooperação a ela incorporados, a Convenção sobre Mudança do Clima é um instrumento de ação global para o próximo milênio.

Tendo em mente essa percepção mais ampla e voltada para o futuro, esperamos ser capazes de decidir, aqui em Berlim, alguns passos práticos que possam constituir o início do processo de implementação dos compromissos da Convenção.

No presente estágio, enfatizo que é de extrema importância que nossas decisões não se desviem dos conceitos e princípios da própria Convenção do Clima.

Nossa primeira tarefa substancial será tratar da questão da adequação dos compromissos contidos nos Artigos 4.2(a) e (b) da Convenção. Mesmo que não seja fácil definir cientificamente qual seria o nível da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera que corresponderia a uma interferência perigosa no sistema climático, fica claro que os compromissos atuais são inadequados.

Evidências gerais, assim como o "princípio da precaução" e o bom senso apontam para o fato de que mesmo se as emissões antrópicas globais fossem mantidas indefinidamente nos níveis atuais, ainda assim a concentração atmosférica de gases de efeito estufa continuaria crescendo até pelo menos o ano 2100.

A discussão que segue gira em torno de que medidas devem ser tomadas: devemos enfrentar a questão com o estabelecimento de novas metas e prazos, por meio de um novo instrumento obrigatório, como um Protocolo à Convenção, ou devemos adotar novos compromissos com base em medidas e políticas a serem adotadas em nível nacional?

De uma forma ou de outra, o Governo brasileiro sente que aqui, em uma questão de tamanha importância, nossas deliberações devem ter como base, em primeiro lugar, a idéia de assegurar compromissos confiáveis e realistas para manter a credibilidade da Convenção como instrumento.

Somos da opinião, portanto, que essa questão deve ser discutida de forma pragmática e sem confrontos, com o estabelecimento de um órgão de negociações adequado desta Conferência, com um mandato amplo que consideraria a questão de forma flexível e abrangente, levando em consideração todas as opções presentes (políticas, medidas, metas e prazos). Todos os gases de efeito estufa devem ser considerados, assim como toda a gama dos setores envolvidos na questão.

Mas, antes de mais nada, o Governo brasileiro acredita que esse exercício necessário deve ser feito com pleno reconhecimento e respeito ao princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas das Partes da Convenção. Insistimos nesse ponto não para escapar da nossa parcela relativa de responsabilidade sobre a questão, como país que não figura no Anexo I, mas para assegurar que não sejam desviados os princípios de eqüidade nos quais esta Convenção está fundamentada.

Nosso direito ao desenvolvimento não deve ser comprometido. Se a comunidade internacional estiver realmente disposta a alcançar o objetivo geral de estabilização das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa, as necessidades e prioridades nacionais para o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento devem ser devidamente consideradas nas políticas e programas de ação estabelecidos durante essa fase inicial de implementação.

Alguns aspectos científicos mais sérios devem igualmente ser considerados a esse respeito. Há, sem dúvida, uma certa tendência a associar a responsabilidade de cada país diretamente ao nível de suas próprias emissões antrópicas, sejam eles desenvolvidos ou não. Isso, juntamente com o fato de que ocorre uma certa confusão entre os aspectos da poluição urbana e da concentração crescente de gases de efeito estufa na atmosfera, nos colocaria no caminho errado.

O fato é que no caso da poluição urbana (como o dióxido de enxofre), a concentração atmosférica das partículas agressoras é diretamente proporcional às emissões e tem um tempo relativamente curto de vida. No caso das emissões que acarretam a mudança do clima, os gases de efeito estufa têm um tempo de vida bem longo: a concentração atmosférica desses gases é, portanto, proporcional ao todo dessas emissões, que leva em consideração o peso decrescente de cada gás em termos da sua vida média na atmosfera. O aquecimento global resulta da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

O efeito prático desses fatos científicos inquestionáveis é que enquanto podemos sempre supor que as emissões dos países não-Anexo I atingirão os mesmos níveis que as das Partes do Anexo I da Convenção até o ano 2050, a concentração resultante surtirá efeito apenas por volta de 2100; da mesma forma, o conseqüente aumento de temperatura ocorrerá apenas por volta de 2150.

É claro que se considerarmos as contribuições para a mudança do clima de emissões passadas (anteriores a 1990) dos países desenvolvidos, seriam ainda mais projetadas para o futuro as curvas de interseção dos efeitos das emissões dos países do Anexo I e dos países não-Anexo I.

O que quero dizer é que o problema bastante urgente com o qual estamos lidando (o nível perigoso da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera) não pode – por todos os motivos práticos e mesmo deixando de lado importantes discussões de eqüidade – ser considerado pela óptica precipitada de simplesmente tentar-se aumentar a adesão de países em desenvolvimento ao Anexo I.

É importante, portanto, nesse contexto, que o conhecimento científico apropriado guie as decisões futuras das Partes. A contribuição relativa de cada gás de efeito estufa e de cada país à mudança do clima deve ser corretamente avaliada.

Independentemente do mecanismo específico que seja projetado no futuro para mitigar as emissões, será imperativo considerar os indicadores que levem em conta a verdadeira proporção real científica da contribuição de cada país, por meio das emissões, para o aumento da temperatura global média ao longo do tempo e não apenas o nível relativo de suas emissões.

Senhora Presidenta,

Outra questão que a nossa conferência deve considerar, com não menos ênfase, são as disposições para a transferência e o acesso a tecnologias ambientalmente seguras, pelos países em desenvolvimento, de forma a assegurar que sejamos capazes de continuar nosso caminho rumo ao desenvolvimento sem ameaçar o sistema climático.

Muito tem sido dito a respeito da necessidade de criar estratégias com base no mercado, em vez de métodos de controle e comando para assegurar o maior número de modos e meios possíveis para envolver todos os países no nosso esforço global de redução dos gases de efeito estufa. O nosso posicionamento sobre essa questão já é bastante conhecido, tentarei, então, ser breve.

Por um lado, nós concordamos que medidas atrativas para o mercado e eficientes em relação aos custos possam ser necessárias para permitir que os países em desenvolvimento "cresçam de forma limpa", principalmente por meio do acesso a tecnologias ambientalmente seguras, como disposto no Artigo 4.5 da Convenção.

Por outro lado, como a própria discussão da controversa questão da "implementação conjunta" tem provado, somos da opinião de que esse conceito tem sido indevidamente empurrado para a linha de frente de nossas preocupações. É certo que os mecanismos de "implementação conjunta", que pressupõem a cooperação entre as Partes que figuram no Anexo I da Convenção, são aceitáveis e até mesmo aconselháveis. A extensão desse conceito às Partes que não fazem parte do Anexo I, em termos que acarretariam o comércio das emissões de carbono dos países em desenvolvimento contra o gerenciamento dos sumidouros de dióxido de carbono dos países em desenvolvimento, conduz, na nossa opinião, a distorções profundas no espírito e na letra da Convenção, colocando em jogo, portanto, a própria credibilidade dos compromissos a ela relacionados.

Acredito que já passamos do estágio de tentar estabelecer a "natureza real" da implementação conjunta ou tentar elaborar esquemas complexos, de verificação duvidosa e de conseqüências imprevistas, para a sua implementação. Por que precisamos endossar internacionalmente um conceito que está sendo levado adiante como algo que se acredita ser de natureza puramente voluntária e "acima" dos compromissos dos países do Anexo I? Será que a questão real que está em jogo não é apenas a questão de créditos para compensar as emissões dos países desenvolvidos, por meio de um mecanismo que por todos os fins práticos, não resolverá o verdadeiro problema, em termos quantitativos, e que nos distrairá dos nossos principais objetivos?

Acredito que está mais do que na hora de caracterizar a cooperação tão necessária entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, no contexto da UNFCCC, em termos pragmáticos. Devemos abandonar a discussão sobre "implementação conjunta para crédito", deixando de lado, assim, as armadilhas semânticas, os inaceitáveis apelos puramente mercantilistas e os impasses políticos por nós presenciados até o momento.

Devemos, em vez disso, nos concentrar em projetar mecanismos com orientação de mercado, entre outros, para a implementação das disposições do Artigo 4.5, que diz respeito ao acesso a tecnologias ambientalmente seguras pelos países em desenvolvimento, sendo esse o único caminho que trará a participação completa da maioria dos países não-Anexo I na implementação do objetivo da Convenção.

Senhora Presidenta,

Para o Governo Brasileiro, o progresso em alcançar o objetivo da Convenção também depende da manutenção de um elemento essencial: a credibilidade. Para manter a credibilidade do nosso próprio trabalho, devemos nos engajar em um esforço amplo de divulgação entre o público das certezas científicas disponíveis sobre a mudança do clima, de forma abrangente e compreensível. Nesse sentido, o trabalho oportuno de uma vasta gama de ONGs que acompanham de perto a implementação das nossas decisões representa um esforço válido e importante para divulgar, entre o público, as ações que têm sido realizadas, assim como assegurar a participação crescente da sociedade nesse processo. Há muitas informações espalhadas sobre essa questão, mas nem todas são confiáveis do ponto de vista científico.

Além disso, as pessoas devem estar conscientes dos passos concretos sendo dados pelos Governos, no âmbito da Convenção, para enfrentar a mudança do clima.

Senhora Presidenta,

Não tentarei aqui impressioná-la com o nosso bom histórico nesse contexto. Produzimos um pequeno vídeo, que está sendo mostrado nas premissas desta Conferência, descrevendo, de forma bem sintética e com belas imagens, como nos situamos com relação à questão do aquecimento global e o que estamos fazendo a esse respeito.

Basta dizer que o Brasil é um dos poucos países continentais com uma matriz energética consideravelmente limpa, com um alto nível de energias renováveis (60%), um nível bem baixo de emissões fósseis (0,3% toneladas de carbono per capita) e uma população cuja taxa de crescimento diminuiu de maneira consistente nas últimas três décadas, enquanto ocupamos 6% da superfície terrestre.

Não farei referência ao nosso passado bastante conhecido e aos nossos avanços pioneiros na utilização da biomassa para energia renovável, em particular o álcool de cana-de-açúcar. Deixem-me apenas mencionar dois exemplos emblemáticos de uma realização governamental mais recente no campo da mudança do clima. No ano passado, nós inauguramos um Centro para Previsão Numérica do Tempo e Estudos Climáticos, com um sistema potente e moderno de super computadores, inteiramente dedicado a aplicações de modelagem atmosférica, oceânica e climática, um investimento de mais de 40 milhões de dólares do Ministério da Ciência e Tecnologia. Este ano passaremos a sediar permanentemente, em São José dos Campos (SP), o Instituto Interamericano de Pesquisa em Mudança Global, a organização regional das Américas dedicada ao estudo da questão de suma importância que estamos debatendo agora em Berlim.

Obrigado, Senhora Presidenta.

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