Germano e seu livro-resgate da cultura indígena Foto: Zé Luiz Cavalcanti
O físico e astrônomo indígena Germano Bruno Afonso, do Museu da Amazônia (Musa), lançou nesta quinta-feira (26), o livro O Céu dos Índios de Dourados – Mato Grosso do Sul, no Espaço do Ministério, Tecnologia e Inovação (MCTI), da 64ª edição da reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A publicação de Afonso (escrita em guarani e português) recupera a tradição indígena de observação do céu, usada como referência para o melhor aproveitamento dos recursos naturais, de maneira a garantir a sobrevivência.
Na cultura indígena, era comum o hábito de “ler as estrelas” para prever as mudanças climáticas, planejar a pesca, a caça e a agricultura, assim como serviam de guia para os rituais religiosos. O trabalho do astrônomo do Musa contribui para a preservação de hábitos milenares dos primeiros habitantes do país.
Destinado para uso em salas de aula do ensino básico de tribos da etnia Guarani, o livro pode ser adaptado conforme a aldeia. As pesquisas que deram origem ao livro foram realizadas nas aldeias indígenas guarani (MS) e potiguara (MA), que auxiliaram no resgate da cultura Tupinambá (MA), já extinta. A publicação do livro contou com auxílio do departamento de popularização e difusão de ciência e tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), dirigido pelo professor Ildeu Moreira, que define Germano como o maior estudioso da constelação indígena no Brasil. A seguir, a entrevista com o astrônomo-escritor.
A que público seu livro se destina? O livro é destinado para professores indígenas, da etnia Guarani, para que eles adaptem em suas respectivas aldeias, já que a língua possui variantes. Só no Brasil existem três vertentes distintas. Esse livro foi escrito em guarani e em português. Nós havíamos escrito um livro sobre os Tembé (etnia indígena), do Pará, que ganhou Prêmio Jabuti em 2000, mas só em português e esse erro eu não quero cometer novamente, pois é muito importante que resgatemos a língua escrita para as próximas gerações.
E como surgiu a ideia de escrevê-lo? A minha pesquisa começou na França, quando caiu em minhas mãos um livro do Cloud de Beverly, que esteve no Maranhão, em 1612, e passou quatro meses com os indígenas. No capítulo 14 do livro que escreveu em francês antigo, e tive a oportunidade de ver, ele relata sobre a constelação que chama de avestruz, e que na verdade é ema. A palavra em guarani é igual, mas o significado neste caso é outro, isso meus pais me ensinaram. A partir de então, eu me empolguei e resolvi pesquisar sobre todas as constelações, começando a percorrer o Brasil para resgatar a cultura de outras aldeias.
Qual o foco do livro?
Ele trata sobre o céu visto pelos índios guarani de Dourados e tupinambás do Maranhão, e como usavam este conhecimento para regular seu cotidiano, a sustentabilidade e sua sobrevivência através desta leitura. A segunda tribo pesquisada já não existe mais porque foram extintos por conta de guerras e doenças, mas resgatei esta cultura com os Potiguaras, que falam sobre os mesmos ensinamentos 400 anos depois.
A publicação oferece mais alguma aplicação? Sim, ele é voltado para o ensino fundamental de ciências, já que a aplicabilidade dos conhecimentos indígenas pode ser direcionada também para esta área e não apenas para a questão cultural. Eu trabalho com pagés e o meu aprendizado inicial ajudou muito na composição destes trabalhos que defino como ciência indígena, tanto é que eles viveram milhares de anos com estes conhecimentos e eu tento intervir o mínimo possível mantendo a originalidade do conteúdo transmitido.
Qual é a sua formação?
Eu sou físico e fiz doutorado e pós-doutorado em astronomia na França, mas a minha origem é indígena Guarani. Eu vivi com eles até os 17 anos, depois fui para o Paraná, onde me formei. Fiz mestrado em Geodésia - ciência que estuda a forma e as dimensões da Terra – e depois fui para a França.
Como era viver na tribo?
Como não havia muita luz elétrica, meus pais me ensinaram a olhar para o céu com a intenção de entender o que ia ocorrer na terra, pois o entendimento é que a terra é um reflexo do céu. Eles eram ágrafos, então, liam nas estrelas o que ia acontecer com o clima onde habitavam e a partir de então, sabiam que peixe era possível pescar ou o que caçar, como poderia trabalhar na agricultura e colheita. Até mesmo os rituais religiosos eram norteados pelo movimento das estrelas, sol e da lua. Isso tudo de forma empírica, o que facilita o aprendizado no ensino fundamental, porque se baseia totalmente na observação da natureza.
E sair da aldeia para estudar na França?
Aonde eu vou me adapto bem, os povos se completam. Para um índio falar inglês, ser astrônomo e fazer ciência não é problema, mas ele tem que conhecer sua própria cultura, assim como o brasileiro recebe muito influencia americana e europeia, mas não pode negar a cultura negra e indígena. Assim é possível viver muito bem.
O Sr. pretende voltar a escrever? Nós iremos agora pesquisar em São Gabriel da Cachoeira (AM), onde 95% da população é indígena. Lá vamos aplicar a mesma metodologia que usamos no resto do Brasil. Estou indo em agosto e vou passar um ano nesta região.
Texto: Ricardo Abel - Ascom do MCTI