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Mudanças Climáticas
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Parecer do Relator Deputado Fernando Gabeira

COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL
MENSAGEM Nº 166, DE 2002

Submete à consideração do Congresso Nacional o texto do Protocolo de Quioto à Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima, aberto a assinaturas na cidade de Quioto, Japão, em 14 de dezembro de 1997, por ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

Autor: PODER EXECUTIVO

Relator: Deputado FERNANDO GABEIRA

I - RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Presidente da República, encaminha ao Congresso Nacional, para apreciação legislativa, a Mensagem nº 166, assinada por Sua Excelência há três semanas, em 13 de março do ano em curso, acompanhada da Exposição de Motivos Interministerial nº 0039/MRE-MCT, datada de 07 de fevereiro último, assinada e autenticada exclusivamente por meio eletrônico pelos Ministros de Estado das Relações Exteriores, Celso Lafer, e da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Mota Sardemberg, contendo o texto do Protocolo de Quioto à Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima, aberto a assinaturas na cidade de Quioto, Japão, em 14 de dezembro de 1997, por ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

A Mensagem presidencial contendo o Protocolo sob análise chegou a esta Casa em 14 de março último, sendo então distribuída a esta e às Comissões de Economia, Indústria e Comércio; de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e de Constituição e Justiça e de Redação. Em 21 de março foi a mim distribuída para relatar.

Os autos de tramitação submetidos à análise estão de acordo com as regras de processo legislativo pertinentes, inclusive no que diz respeito à responsabilidade quanto à cópia do ato internacional sob exame que, neste caso, traz a indispensável chancela do Ministério das Relações Exteriores, através de lacre e autenticação que contêm as firmas originais pertinentes, da Divisão de Atos Internacionais daquela pasta, devendo, apenas, proceder-se à enumeração das fls. 10 a 28 dos autos, que contêm a cópia do Protocolo, oportunidade em que lembramos que o ato jurídico de enumeração de todas as folhas de um processo não invalida autenticações efetivadas nos documentos inseridos.

Isto posto, compete-me analisar a estrutura do instrumento internacional sob exame que é, em síntese, a que passo a expor.

O Protocolo de Quioto à Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima compõe-se de um preâmbulo, de 28 artigos e de dois anexos.

No preâmbulo, são feitas remissões ao Artigo 2 da Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima que trata dos objetivos finais da Convenção, assim como ao Artigo 3, que trata da orientação a ser adotada para a aplicação da Convenção e ao Mandato de Berlim, adotado pelo decreto 1/CP. 1 da Conferência das Partes da Convenção em sua primeira sessão.

A seguir, dispõe-se, no Artigo 1 do Protocolo, sobre as definições a serem adotadas no Protocolo de Quioto, em consonância com aquelas do Artigo 1 da Convenção-Quadro, quais sejam: Conferência das Partes; Painel intergovernamental sobre Mudança de Clima; Protocolo de Montreal, Partes presentes e votantes, Parte, e Parte incluída no Anexo I.

No Artigo 2, subdividido em quatro parágrafos, abordam-se as obrigações e deveres das Partes, com vistas a cumprirem os compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, conforme o que dispõe o Artigo 3, a fim de que seja promovido o desenvolvimento sustentável.

Esses deveres, tratados nos oito itens da alínea a do parágrafo 1 do Artigo 2, incluem aumento de eficiência energética; proteção e aumento de sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa; promoção de formas sustentáveis de agricultura em face dos conhecimentos existentes sobre mudança de clima; pesquisa, promoção, desenvolvimento e aumento do uso de formas novas e renováveis de energia, de tecnologias de seqüestro de dióxido de carbono e de tecnologias ambientalmente seguras que sejam avançadas e inovadoras; redução de isenções tributárias e tarifárias e de incentivos fiscais para os setores cuja ação colida com os objetivos da Convenção; a promoção de políticas e medidas que aumentem ou reduzam a emissão de gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, inclusive no setor de transportes e, também, a limitação ou redução de emissões de metano através de sua recuperação e utilização no tratamento de resíduos, bem como na produção e distribuição de energia.

Na alínea b desse mesmo parágrafo, dispõe-se a respeito do aumento de eficácia individual e combinada das políticas e medidas implementadas nos termos do disposto nesse artigo e no Artigo 4, parágrafo 2(e) (i) da Convenção-Quadro. Nesse sentido, as Partes assumem o compromisso de partilhar experiências e trocar informações, inclusive no que diz respeito a aprimorar a comparabilidade.

No parágrafo 2, as Partes incluídas no Anexo I assumem o compromisso de procurar reduzir ou limitar as emissões de gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, originárias de combustíveis de transporte aéreo e marítimo internacional, trabalho a ser coordenado pela Organização de Aviação Civil Internacional e pela Organização Marítima Internacional.

No parágrafo 3, as Partes incluídas no Anexo I também se comprometem a implementar as políticas e medidas especificadas nesse dispositivo de forma a minimizar efeitos adversos, quer quanto à mudança do clima, ao impacto sobre o comércio internacional, aos impactos sociais, econômicos e ambientais sobre as demais Partes, especialmente no caso daqueles Estados-Partes considerados países em desenvolvimento, mais especificamente os identificados no Artigo 4, parágrafos 8 e 9 da Convenção, levando-se, para isso, em consideração o disposto no Artigo 3.

No parágrafo 4, é prevista a possibilidade da Conferência das Partes coordenar quaisquer das políticas e medidas no parágrafo 1 (a) deste instrumento.

No Artigo 3, detalham-se, em quatorze parágrafos, com previsão de prazos progressivos, as obrigações que têm as Partes incluídas no Anexo I de, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas expressas em dióxido de carbono ou equivalente e dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam às quantidades máximas previstas.

No Artigo 4, por outro lado, detalha-se, em seis parágrafos, a forma como poderão ser consideradas cumpridas as obrigações previstas no Artigo 3, inclusive no que diz respeito à responsabilidade pelas emissões geradas.

No Artigo 5, é previsto, em três detalhados parágrafos, o estabelecimento de sistemas nacionais para a estimativa de emissões antrópicas por fontes e das remoções antrópicas por sumidouros de todos os gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, no prazo de um ano antes do início do primeiro período de compromisso.

O Artigo 6, subdividido em quatro parágrafos, tem o objetivo de possibilitar às Partes transferir ou adquirir de qualquer outra unidades de redução de emissões resultantes de produtos visando à redução de emissões antrópicas por fontes ou o aumento das remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa em qualquer setor da economia, desde que preenchidas as condições especificadas nas quatro alíneas do primeiro parágrafo desse artigo, especificando-se, nos seguintes, a forma e procedimentos a serem adotados para que isso ocorra.

O Artigo 7, de forma cogente, determina, em seu primeiro parágrafo, que todas as Partes devem incorporar as informações suplementares necessárias ao seu inventário anual de emissões antrópicas por fontes e remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa cujo controle não conste do Protocolo de Montreal. Nos parágrafos subseqüentes do dispositivo, prevê-se comunicações formais que as Partes devem utilizar para demonstrar o efetivo cumprimento dos compromissos assumidos nos termos do Protocolo de Quioto. Esse é outro exemplo de consagração internacional do princípio da responsabilidade objetiva em matéria ambiental – o dever de demonstrar que houve cumprimento das normas acordadas é das Partes - não é quem fiscaliza que deve provar que as normas foram descumpridas, são as Partes que devem demonstrar que as fontes de emissão decorrentes de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras existentes em seu território estão obedecendo às normas de controle deliberadas, com a eficácia estipulada.

No Artigo 8, em seis detalhados parágrafos, estipulam-se normas para a revisão e análise das informações que as Partes tenham encaminhado, pertinentes ao controle e à redução de emissões, ou seja, os instrumentos utilizados pelas Partes para comunicar ou prestar informações relativas ao controle e à redução de emissões só serão considerados válidos, verídicos e adequados após terem sido submetidos à exame e revisão de conteúdo por corpo técnico, nos termos das normas procedimentais escolhidas pelos países civilizados que tiverem aderido ao Protocolo e à Convenção-Quadro.

No Artigo 9, em dois parágrafos prevê-se a revisão periódica do instrumento para adequá-lo ao que de melhor houver em termos de informações e avaliações científicas disponíveis sobre as mudanças climáticas e seus impactos, inclusive do ponto de vista social e econômico. Marca-se, para tanto, a primeira reunião de revisão para a segunda sessão da Conferência das Partes, prevendo-se que as seguintes a sucedam em intervalos regulares e de maneira oportuna (o que quer que possa ser considerado regular e oportuno, segundo o critério jurídico da razoabilidade).

O Artigo 10 contém um parágrafo em que as Partes, de forma cogente, assumem, nas sete alíneas em que se subdivide o Artigo, obrigações específicas, ainda que sob a ressalva inserida no caput do Artigo de o fazerem levando em conta suas responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e suas prioridades de desenvolvimento, objetivos e circunstâncias específicos, tanto nacionais como regionais, sem a introdução de qualquer novo compromisso para as Partes afora os estipulados no Anexo I do Protocolo, reafirmando os compromissos existentes no Artigo 4, parágrafo 1 da Convenção-Quadro, comprometendo-se igualmente a fazer com que avance a sua implantação, a fim de que seja colimado o objetivo de se atingir o desenvolvimento sustentável. Assumem, então, as obrigações arroladas nas alíneas, levando em conta o Artigo 4, parágrafos 3, 5 e 7 da Convenção.

No Artigo 11, parágrafo 1, determina o Protocolo que, para a implementação de seu Artigo 10, devem as Partes considerar as disposições do Artigo 4, parágrafos 4,5,7,8 e 9 da Convenção-Quadro. No segundo parágrafo do dispositivo, aborda-se o contexto de implementação do Artigo 4, parágrafo 3 e Artigo 11 da Convenção-Quadro, estipulando-se obrigações de caráter financeiro para as Partes países desenvolvidos e demais Partes desenvolvidas, matéria também abordada no parágrafo 3.

No Artigo 12, subdividido em dez parágrafos, define-se o que se intitula Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, especificando-se, no parágrafo 2, que o objetivo deve ser assistir às Partes não incluídas no Anexo 1, para que atinjam o desenvolvimento sustentável, assim contribuindo para o objetivo final da Convenção. Nos demais parágrafos, detalha-se a forma de implantação do mecanismo, inclusive prevendo hipótese de compensação, conforme disposto no parágrafo 10: reduções certificadas de emissões obtidas durante o período compreendido entre 2000 e o início do próximo período de compromisso, havendo a possibilidade dessas reduções serem utilizadas para auxiliar no cumprimento das responsabilidades relativas ao primeiro período do compromisso.

O Artigo 13, em oito minuciosos parágrafos, trata da Conferência das Partes, órgão supremo da Convenção-Quadro, em que estarão reunidas as Partes desse Protocolo. Quando assim estiverem reunidas, somente terão poder deliberativo as Partes que também tiverem aderido ao Protocolo. No parágrafo 4 do dispositivo, trata-se das competências da Conferência das Partes, enquanto exercendo a função de reunião das Partes. Nos demais, tratam-se de aspectos administrativos e procedimentais das sessões da Conferência das Partes, enquanto reunião das Partes desse Protocolo.

O Artigo 14 dispõe sobre o Secretariado estabelecido pelo Artigo 8 da Convenção-Quadro, ao qual também são atribuídas as funções previstas no Protocolo em análise.

No Artigo 15, dispõe-se, em três parágrafos, sobre o Órgão subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico e sobre o Órgão subsidiário de Implementação do Protocolo. Dispõe-se, também, sobre a hipótese de Partes da Convenção que não tenham aderido ao Protocolo de Quioto (caso dos Estados Unidos, por exemplo) participarem, na qualidade de observadores, das deliberações de qualquer sessão dos órgãos subsidiários.

No Artigo 16, determina-se que a Conferência das Partes, na qualidade de reunião das Partes do Protocolo de Quioto deve considerar a hipótese de aplicação ao Protocolo do processo multilateral de consulta previsto no Artigo 13 da Convenção, com as adaptações que se revelem necessárias a cada caso, mas cientes as Partes de que qualquer processo multilateral de consulta que possa ser aplicado ao Protocolo deve ser implementado sem prejuízo dos procedimentos e mecanismos estabelecidos no Artigo 18.

No Artigo 17, atribui-se à Conferência das Partes definir os princípios, as modalidades, regras e diretrizes apropriados, em particular para verificação, elaboração de relatórios e prestação de contas do comércio de emissões.

No Artigo 18, estipula-se que a Conferência das Partes, na qualidade de reunião das Partes do Protocolo, deverá, em sua primeira sessão, aprovar os procedimentos e mecanismos necessários para apurar, coibir e corrigir as infrações às disposições do Protocolo, inclusive com previsão de eventuais penalidades, para cuja aplicação deverão ser considerados fatores tais como causa, tipo, grau e freqüência de descumprimento das disposições do Protocolo, lembrando-se que, para tais dispositivos se tornarem cogentes, há necessidade de ser elaborada emenda ao Protocolo em exame, onde estejam detalhadas as penalidades e o correspondente processo administrativo.

No Artigo 19, adotam-se, para o Protocolo, as disposições do Artigo 14 da Convenção-Quadro sobre solução de controvérsias e, no Artigo 20, em cinco parágrafos, aborda-se a possibilidade de serem oferecidas emendas ao Protocolo e o formato a ser utilizado para a discussão, aprovação e implementação dessas emendas.

No Artigo 21, estipula-se, em sete parágrafos, que os anexos ao Protocolo constituem parte integrante dele e, salvo expressa disposição em contrário, qualquer menção a ele feita também inclui o conteúdo previsto nos seus anexos; prevêem-se as hipóteses de propostas de anexos, assim como de emendas aos anexos e do procedimento pertinente a cada caso; a necessidade de que sejam envidados esforços para que essas propostas sejam decididas através de consenso ou, havendo impossibilidade cabal de se atingir esse consenso, devem elas ser submetidas à votação, sendo necessário o quorum qualificado de três quartos dos votos das Partes votantes presentes à respectiva sessão; o procedimento de entrada em vigor de tais alterações; o período de vacatio legis e as exceções à regra geral, detalhando-se o procedimento respectivo.

No Artigo 22, aborda-se quem terá direito a voto e a forma de voto a ser adotada e, no Artigo 23, atribui-se ao Secretário-Geral das Nações Unidas, a tarefa de ser o fiel depositário do instrumento em análise; no Artigo 24, prevêem-se as regras pertinentes aos processos de assinaturas e ratificação do instrumento; no 25, trata-se de sua entrada em vigor, no artigo 26, prevê-se a impossibilidade do oferecimento de reservas ao texto do ato internacional em exame e, no Artigo 27, a possibilidade e procedimento que devem as Partes seguir quando desejarem denunciar o instrumento, assim como as conseqüências decorrentes.

O Artigo 28 encerra o texto do ato normativo internacional em análise, determinando que os documentos autênticos originais sejam depositados junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

No Anexo A, relacionam-se os gases de efeito estufa, os setores e as categorias de fontes de emissão e, no Anexo B, estabelecem-se os compromissos de redução ou limitação quantificada de emissões por país.

É o relatório.

II – VOTO DO RELATOR

Na Exposição de Motivos Interministerial (assinada única e exclusivamente sob a forma eletrônica), é feita detalhada análise da evolução do processo de normatização internacional relativo às mudanças climáticas, que culminou no processo de aprovação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima do qual faz parte o Protocolo em exame.

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, conforme ensina Paulo Affonso Leme Machado, dentre outros aspectos de relevante interesse para o Direito Ambiental Internacional, insere o princípio da precaução em seu texto, no Artigo 3, parágrafo 3, como norma de direito positivo internacional. Leciona o consagrado autor, precaução é cautela antecipada, expressão que tem sua origem no Latim, que precautio – precautionis, caracterizando-se pela ação antecipada, em face do risco ou perigo: "o mundo da precaução é um mundo onde há a interrogação, onde os saberes são colocados em questão. No mundo da precaução há uma dupla fonte de incerteza: o perigo ele mesmo considerado e a ausência de conhecimentos científicos sobre o perigo. A precaução visa a gerir a espera da informação. Ela nasce da diferença temporal entre a necessidade imediata de ação e o momento onde os conhecimentos científicos vão modificar-se", ressalta o professor, citando Nicolas Treich, no estudo Vers une théories écnonmomique de la précaution (In: Direito Ambiental Brasileiro, 9ª ed., p. 51-53).

Ainda na Exposição de Motivos destes autos ressalta-se, que a aprovação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima ocorreu durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a Conferência do Rio – em 1992, tratando-se de texto normativo internacional destinado a criar mecanismos e instrumentos que possibilitem a promoção da estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, tendo por referência o ano-base de 1990, em nível que impeça interferência antrópica perigosa no sistema climático do planeta, com o conseqüente aquecimento global e os danos irreversíveis inerentes.

Aponta-se, ainda nesse documento, que se conseguiu consagrar, na Convenção-Quadro, o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, dos países, de acordo com seu grau de desenvolvimento histórico, na promoção do aquecimento global. É a partir desse princípio, então, que a Convenção estabelece diferentes categorias de compromissos para diferentes países: "em relação aos países em desenvolvimento, assevera que o grau de efetivo cumprimento dos compromissos assumidos por esse grupo de países dependerá do efetivo cumprimento dos compromissos assumidos pelas Partes países desenvolvidos, no que se refere a recursos financeiros e transferência de tecnologia."

A Convenção consagra, ademais, em seu artigo 4.7, que "o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas das Partes países em desenvolvimento."

De outro lado, a comprovação de que as emissões dos países industrializados vinham crescendo à revelia dos compromissos assumidos na Convenção, fez com que a Conferência das Partes, realizada em Berlim, em 1995, reconhecesse a necessidade de estabelecer metas quantitativas e compulsórias de redução de emissões, exatamente para viabilizar a redução das emissões desses países aos níveis de 1990.

Esse fato deu origem a um processo de negociação de um protocolo com compromissos mais claros e profundos para o grupo de países desenvolvidos e aqueles com economia em transição ( integrantes do Anexo I da Convenção), que resultou no Protocolo de Quioto, aprovado na III Conferência das Partes da Convenção, realizada em Quioto, em 1997.

O Protocolo de Quioto adotou a meta geral de redução de emissão de gases de efeito estufa de 5,2% (ano-base de 1990), que é global e deverá ser atingida entre 2008 e 2012, período denominado primeiro período de compromisso, alocando-se percentuais individuais de redução aos diferentes países.

Rememora-se, outrossim, na Exposição de Motivos, a importância da participação brasileira no desenho normativo da estrutura do Protocolo de Quioto, inclusive no que se refere à criação e introdução, no Protocolo, do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Trata-se daquele dentre os "mecanismos de flexibilidade do protocolo de Quioto que permite a participação de países em desenvolvimento – os outros mecanismos existentes, tais como comércio de emissões e implantação conjunta são privativos dos países que integram o Anexo I".

Enfatiza-se, ainda na Exposição de Motivos, que o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deverá ajudar os países em desenvolvimento a alcançar o desenvolvimento sustentável e a contribuir para que o objetivo final da Convenção seja alcançado – estabilização da concentração de gases de efeito estufa. Permitirá, também, que os países em desenvolvimento se beneficiem de projetos advindos de reduções de emissões certificadas, que poderão ser utilizados pelos países listados no Anexo I "com vistas ao cumprimento de suas metas de redução de emissões".

No Protocolo não se prevêm, por outro lado, compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa para os países em desenvolvimento, fato que exemplifica o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e se esclarece que tanto o Brasil, como o Grupo dos 77 e a China têm objetado, nos termos da Convenção e do Protocolo, as tentativas de que tais compromissos de redução sejam atribuídos aos países em desenvolvimento – é importante ter-se consciência de que as emissões per capita nos países em desenvolvimento ainda são relativamente baixas e que a Convenção reconhece que esses países terão de aumentar suas emissões para atingir seus objetivos de desenvolvimento. O entendimento brasileiro nessa questão, salienta o Itamarati, é que a plena implementação dos compromissos contidos no Protocolo de Quioto pelos países listados no Anexo I é prioridade absoluta, antes de quaisquer outras discussões sobre compromissos vinculantes para os países em desenvolvimento.

É, ademais, importante lembrar, segundo a Exposição de Motivos, que muitos dos pormenores operacionais necessários à operacionalização do Protocolo de Quioto ficaram indefinidos por ocasião de sua negociação e tiveram seu debate transferido para Conferências das Partes e os órgãos Subsidiários da Convenção.

Em relação aos fatos subseqüentes, as informações que o Itamarati traz na Exposição de Motivos são relevantes, por isso permito-me citá-las.

Os países arrolados no Anexo 1 argumentaram que os aspectos indefinidos do Protocolo deveriam ser claramente regulamentados, argumentação em face da qual estabeleceu-se, por ocasião da IV Conferência das Partes da Convenção (Buenos Aires, novembro de 1998), um programa de trabalho, até o ano 2000, destinado a avançar a implementação da Convenção e, paralelamente, precisar as questões operacionais do Protocolo de Quioto. O Plano de Ação de Buenos Aires tratava de um conjunto de decisões sobre a regulamentação dos principais temas da Convenção e do Protocolo de Quioto, tais como: (a) a regulamentação dos mecanismos de flexibilidade do Protocolo de Quioto - particularmente do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo; (b) as negociações sobre uso da terra, mudança do uso da terra e florestas (conhecida por LULUCF, das iniciais em Inglês) e o papel que deverão cumprir nos esforços para a mitigação do efeito estufa; (c) o regime de cumprimento do Protocolo; (d) as medidas de adaptação à mudança do clima (relacionadas à vulnerabilidade dos países); (e) meios e modos para transferência de tecnologia e (f) provisão de recursos financeiros.

Em linhas gerais, o principal objetivo do Plano de Ação de Buenos Aires era, pois, definir a regulamentação dos mecanismos estabelecidos pelo Protocolo de Quioto, com destaque para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, bem como do regime de cumprimento do Protocolo - itens essenciais para permitir a ratificação do instrumento, particularmente pelos países do Anexo I. Recorde-se que, para que o Protocolo entre em vigor, é necessária a ratificação de países do Anexo I responsáveis por 55% das emissões de dióxido de carbono referentes ao ano base de 1990: "A essa condição soma-se a de que, pelo menos, 55 Partes signatárias ratifiquem o Protocolo".

As negociações posteriores, realizadas na VI Conferência das Partes da Convenção, em Haia, em novembro de 2000, não lograram finalizar as decisões referentes ao Plano de Ação de Buenos Aires. Entre os fatores que concorreram para a falta de resultados positivos, destacam-se: (a) a rigidez de posições apresentadas por algumas Partes – particularmente os Estados Unidos, que buscavam a maior flexibilização possível ao uso dos mecanismos do Protocolo e às atividades de LULUCF, reduzindo o custo interno destinado às medidas para redução de emissões; (b) a metodologia de trabalho adotada para a Conferência, que, ao misturar a negociação política com a negociação técnica, não conduziu à formulação de um documento final que consolidasse os acordos entre as Partes.

A tentativa de evitar que se configurasse o fracasso da comunidade internacional em finalizar a implementação do Plano de Ação de Buenos Aires foi ganhar tempo: decidiu-se então suspender a VI Conferência das Partes, posteriormente retomada em julho de 2001, em Bonn.

Na VI Sessão, reconvocada, as Partes conseguiram adotar o chamado Acordo de Bonn, que constituiu um entendimento político sobre as soluções de consenso a respeito dos temas mais controversos das negociações. Com isso, a Conferência de Bonn representou um passo vigoroso em direção à ratificação do Protocolo de Quioto.

Foram finalizadas as negociações sobre os temas de interesse mais imediato dos Países em desenvolvimento, como financiamento, medidas de adaptação e vulnerabilidade, transferência de tecnologia e capacitação.

As negociações sobre mecanismos avançaram significativamente, mas ainda demandavam tempo adicional, em razão do grande volume e complexidade técnica dos diversos pontos. O principal impasse, no entanto, surgiu na negociação sobre o regime de cumprimento do Protocolo, ante as reservas de alguns países, como Austrália, Canadá, Japão e Rússia, à determinação pela decisão da Conferência das Partes do caráter mandatário das conseqüências a serem aplicadas aos países que não cumprissem as obrigações assumidas ao ratificar o Protocolo de Quioto, especialmente às metas de redução de suas emissões.

O grande mérito do Acordo de Bonn foi o de haver alterado a equação política que caracterizava as negociações sobre mudança do clima, sobretudo desde a Conferência da Haia, representando um impulso alentador no processo de regulamentação, com vistas à ratificação, do Protocolo de Quioto, resultado particularmente importante diante da decisão dos Estados Unidos de não ratificar o Protocolo de Quioto.

Na VII Conferência das Partes da Convenção, realizada em Marraqueche, de 31 de outubro a 9 de novembro de 2001, finalizaram-se as negociações dos itens presentes no Plano de Ação de Buenos Aires, na linha do acordo político alcançado em Bonn, sobre os mecanismos de flexibilidade e sobre o regime de cumprimento do Protocolo de Quioto.

Preservou-se a integridade ambiental do Protocolo, ao atingir-se a justa medida entre a necessidade de conferir flexibilidade ao uso dos mecanismos pelos países do Anexo I e, ao mesmo tempo, controlar as atividades a serem creditadas, de forma a garantir que proporcionem redução real e mensurável das emissões de gases de efeito estufa. Importante, ainda, lembrar que, na ocasião, de forma a permitir a entrada imediata em operação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, foi empossada a Junta Executiva do Mecanismo, com vinte membros, instância responsável pela aprovação de todo o ciclo de projetos MDL. O Brasil foi eleito, por unanimidade, representante do Grupo da América Latina e Caribe na Junta Executiva.

Salienta-se, ademais, que as decisões adotadas por consenso em Marraqueche possibilitarão um vigoroso impulso no processo de ratificação do Protocolo de Quioto, particularmente pelos países membros do Anexo 1, tendo como cenário o ano de 2002, dez anos após a Conferência do Rio. A importância do Protocolo de Quioto decorre não só do seu impacto na redução das emissões de gases de efeito estufa, mas como um testemunho do sucesso na busca consensual multilateral de ações globais de combate à mudança do clima.

Apesar da evidente relevância e necessidade internacional do Protocolo de Quioto, apontadas na própria Exposição de Motivos, apenas há três semanas, na metade do último mês, dignou-se o executivo federal a dar continuidade ao processo de ratificação do compromisso internacional assumido, encaminhando-o ao Congresso Nacional para a indispensável apreciação legislativa – antes tarde do que nunca – e é, agora, importantíssimo que a tarefa de análise parlamentar da matéria ocorra no menor espaço de tempo possível, da forma ágil como está a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional fazendo, que o coloca em votação duas sessões após receber este importante ato internacional para análise.

É básico desde já salientarmos dados fáticos que certamente serão aprofundados na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias. Conforme publicado no relevante artigo científico Ecological responses to recent climate change, de autoria dos pesquisadores Gian-Reto Walther, Eric Post, Peter Convey, Annette Menzel, Camille Parmesan, Trevor Beebee, Jean Marc Fromentin, Ove Hoegh-Guldberg e Franz Bairlein, já há constatação ampla dos impactos ecológicos das recentes mudanças climáticas, desde as áreas terrestres polares aos ambientes tropicais marinhos. Artigo a respeito desses estudos foi publicado no número 416 da revista Nature, páginas 389 a 395, editada em 28 de março último.

Os alertas desses cientistas, que se somam a outros que vêm sendo reiteradamente feitos, tiveram ampla cobertura na imprensa do centro do país, através de matérias publicadas no mesmo dia 28, na p. 30 da seção Ciência e Vida, do jornal O Globo, e na p. A-16 do caderno Folha Ciência, da Folha de São Paulo: "Tarde demais para lamentações. O aquecimento global já está afetando ecossistemas do mundo inteiro há pelo menos três décadas". A conclusão é de que o aumento nas temperaturas globais médias, de 0,6º C no último século, tem provocado desde mudanças no ciclo do crescimento das plantas, até a migração forçada de espécies para zonas mais amenas, desde, no mínimo, a década de 70. Alertam os pesquisadores citados que, infelizmente, a questão da mudança climática sempre é discutida como questão relativa a um futuro longínquo, baseada em modelos matemáticos de computador, não havendo, ainda, "a compreensão clara de que nós já vivemos num período de mudança climática, com impactos óbvios nos ecossistemas.".

São, evidentemente, impactos que variam em face do ecossistema. Nos Alpes, florestas inteiras estão se deslocando montanha acima, de um a quatro metros por década; os arbustos do Alasca já se expandiram para zonas geladas onde não existiam antes; peixes e plâncton das costas da Califórnia e do Atlântico Norte, conhecidos como espécies de água quente, invadiram sistemas de águas temperadas ou frias; aves da floresta tropical da Costa Rica passaram a habitar zonas de montanha; a zona de distribuição de trinta e nove espécies de borboletas da Europa e dos Estados Unidos deslocou-se até 200 km para o norte, devido ao aumento das temperaturas médias; plantas e invertebrados da Antártida sofreram mudanças de distribuição, devido a um aumento no período de degelo e a um aumento na quantidade de zonas livres de gelo.

Segundo os autores citados, esses fatos podem ser sintetizados por uma única palavra: extinção. Muito embora mudanças climáticas radicais tenham sido uma constante na história recente da Terra, nenhuma das anteriores aconteceu com tamanha velocidade. Em contraste com as respostas históricas a mudanças ambientais, hoje, em muitas áreas, espécies precisam se mover através de regiões em que a atividade humana formou uma barreira intransponível à sua mobilidade. Tudo indica, pois, que a velocidade das mudanças climáticas está sendo maior do que a capacidade do ambiente e das espécies de se adaptarem a elas.

São fatos cientificamente constatados que as temperaturas têm aumentado durante as últimas quatro décadas nos 8km mais baixos da atmosfera; que as coberturas de neve e gelo têm diminuído; que a média do nível do mar têm aumentado, bem como a temperatura do mar e que, apesar disso, as emissões de gases causadores de efeito estufa e de aerossóis decorrentes de atividades humanas continuam crescendo, em proporção cada vez mais nociva ao equilíbrio climático, conforme bem apontam os autores do relatório do Grupo de Trabalho 1 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, intitulado Summary for Policymakers.

Para aqueles (desavisados...) que pensam que todos esses fatos ainda não constituem justificativa suficiente para que a humanidade comece a tomar as medidas necessárias e a fazer os investimentos indispensáveis para combater o efeito estufa, ações, essas, consideradas, por exemplo, pelo Presidente George W. Bush, como prejudiciais à sua economia, os autores do estudo publicado na revista Nature fazem alguns lembretes adicionais, bastante práticos: os estoques de krill, no oceano austral, e de atum-de-barbatana-azul têm sido afetados pelo aquecimento global em sua reprodução, tamanho e padrões de migração. Tratam-se de espécies não só fundamentais para a cadeia alimentar marinha, como para o comércio, e que se têm tornado gradativa e constantemente mais escassas.

Muitos detalhes mais poderiam ser enumerados em relação ao Protocolo ora submetido à apreciação parlamentar.

Do ponto de vista do Direito Internacional Público, este ato internacional é consentâneo com as tendências mais modernas do Direito das Gentes, na medida em que consagra princípios como a precaução, o aspecto das responsabilidades comuns, mas diferenciadas e o da cooperação entre as nações para a obtenção de resultados comuns.

O Protocolo de Quioto é uma conquista normativa histórica que faz lembrar a palavra chinesa para "crise": wei-chi – perigo e oportunidade. Há a oportunidade de se corrigir, neste momento, os desvios de trajetória, cuja conseqüência é a mudança climática que afetará a todos de forma exponencialmente crescente, irreversível, economicamente suicida e inviabilizadora da vida neste planeta.

Ao aprová-lo – e ao fazê-lo neste Congresso com rapidez que mostrará ao mundo o interesse do povo brasileiro na matéria – estaremos dando exemplo de cidadania global. Que o Executivo, após a aprovação parlamentar deste instrumento, também faça sua parte, rapidamente concluindo o processo de ratificação.

VOTO, pois, no âmbito desta Comissão, pela aprovação parlamentar ao texto do Protocolo de Quioto à Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima, aberto a assinaturas na cidade de Quioto, Japão, em 14 de dezembro de 1997, por ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, nos termos da proposta do Decreto Legislativo em anexo.

Sala da Comissão em, de abril de 2002.

Deputado FERNANDO GABEIRA
Relator 20212713-004

 

COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL
PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO Nº , DE 2002
MENSAGEM Nº 166, DE 2002

Aprova o texto do Protocolo de Quioto à Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima, aberto a assinaturas na cidade de Quioto, Japão, em 14 de dezembro de 1997, por ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica aprovado o texto do Protocolo de Quioto à Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima, aberto a assinaturas na cidade de Quioto, Japão, em 14 de dezembro de 1997, por ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção bem como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do inciso I do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Art. 2º Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Sala da Comissão, em de de 2002.

Deputado FERNANDO GABEIRA
Relator
20212713-004

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