O ministro Marco Antonio Raupp concedeu entrevista à rádio
Voz da Rússia, na qual falou sobre as áreas de cooperação técnico-científica entre os dois países e as políticas brasileiras de incentivo à inovação tecnológica e à formação profissional. O conteúdo foi publicado nesta quarta-feira (20) no
Diário da Rússia. Leia abaixo os principais trechos da entrevista. A íntegra pode ser conferida
aqui.
Voz da Rússia – A partir da visita da presidenta Dilma Rousseff a Moscou em dezembro de 2012, o relacionamento Brasil-Rússia tem mostrado aquecimento em várias áreas. Em fevereiro de 2013, além da reunião da Comissão de Alto Nível dos dois países, realizada em Brasília com a presença do primeiro-ministro Dmitri Medvedev, com a assinatura de alguns acordos, ocorreram também dois eventos da maior importância – o Encontro Empresarial Bahia-Rússia, em Salvador, e a reunião do Comitê Agrário Brasil-Rússia, em Brasília. Na área da ciência, tecnologia e inovação, lembrando que o senhor esteve em Moscou em novembro passado, também pode ser sentido um crescimento nas relações entre os dois países?
Marco Antonio Raupp – Sim, nós temos um histórico de cooperação, mas eu tenho a impressão de que ela poderia ser muito maior. Acho que a novidade que aconteceu foi o acordo do programa Ciência sem Fronteiras [CsF], com o qual nós podemos mandar estudantes para lá e também receber especialistas russos aqui no Brasil. Isso é um passo muito importante, porque define um instrumento para financiar a cooperação e cria condições para a gente atuar e incrementar as atividades. Fui a Moscou ainda como presidente da Agência Espacial Brasileira [AEB], para manter um contato com a Roscosmos [a agência espacial russa] e dizer que nós queríamos aprofundar as relações. Isso foi feito. José Raimundo Coelho, que me substituiu no cargo, tem mantido contatos lá. No entanto, não temos ainda encontrado um caminho concreto de cooperação, apesar de termos uma boa tradição de cooperação com a Rússia. Por exemplo, quando tivemos aquele acidente com a Base de Alcântara, o DCTA [Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial], que é responsável pela base, contratou empresas russas para fazer toda a avaliação do acidente, e isso ajudou na reorientação do programa. Agora, o DCTA tem um programa de desenvolvimento de lançadores de pequeno e médio porte e tem procurado parcerias internacionais na Europa e na Rússia. Mas acho que mesmo aí ainda estamos devendo. A cooperação com a Rússia é uma área que poderia evoluir bastante.
VR – Em artigo publicado em janeiro deste ano, o senhor destacou que, para alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentado e competitividade econômica global, o Brasil não pode abrir mão das contribuições do conhecimento científico e tecnológico. E citou exemplos bem-sucedidos da aliança entre pesquisa e produção econômica no país, como o caso da Embraer, que se beneficia dos trabalhos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica [ITA] e do Centro Técnico de Aeronáutica [CTA], ou da Petrobras, que se vale de seu centro de pesquisa e de diversas universidades públicas. Quais são os instrumentos no âmbito do seu ministério para ampliar a base científica e estimular o desenvolvimento de novas tecnologias que respondam às necessidades de outros setores econômicos?
MAR – No que se refere à base científica, nós já temos instrumentos tradicionais. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que é quem financia essas instituições que fazem parte do sistema brasileiro de geração de conhecimento científico – isso que nós chamamos de base científica – e faz a preparação dos recursos humanos qualificados na área, é operado tanto pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico quanto pela Finep [Financiadora de Estudos e Projetos]. Agora, com relação às empresas – e esse é o grande desafio que nós temos –, é preciso estimulá-las a fazerem P&D [pesquisa e desenvolvimento], ou seja, investirem em inovação. Acabamos de lançar, em 14 de março, no Palácio do Planalto, um grande plano chamado Inova Empresa, que tem por objetivos, por um lado, financiar projetos de inovação dentro das empresas, desenvolver suas estruturas para fazer P&D, e, por outro, estimular a cooperação das empresas e dos institutos tecnológicos. Existe um montante significativo para ser ofertado para essa cooperação tecnológica e de inovação entre essas empresas e institutos, ou então para as empresas fazerem, elas próprias, seus projetos de inovação. Nosso grande desafio é que, durante muito tempo, a pesquisa tecnológica ficou muito restrita aos institutos e às universidades, e queremos que as empresas também participem desses esforços, através dos quais elas estarão se habilitando para a competição global.
VR – O programa Ciência Sem Fronteiras tem rendido inúmeros elogios ao Brasil na comunidade internacional, por expandir aos estudantes brasileiros as possibilidades de realizar seus estudos fora do país. Quais são as áreas de ensino mais procuradas pelos estudantes brasileiros no exterior? Como a Rússia, que tem excelência reconhecida nas ciências exatas, participa no programa de formação de jovens brasileiros?
MAR – O Ciência sem Fronteiras está focado nas áreas de ciências naturais e engenharias, porque se detecta que, para o desenvolvimento do país, e especialmente para o desenvolvimento sustentado, é absolutamente necessário que tenhamos competência nessas áreas. Precisávamos fazer um esforço extra, e esse esforço extra se chama Ciência sem Fronteiras. Estamos mandando estudantes para estudar no exterior, em vários níveis. O estudante pode fazer seus cursos, ou parte de seus cursos de engenharia lá fora, ou mesmo sua pós-graduação. Este sistema financia isso, e não só para estudantes universitários, como também para especialistas que trabalham em empresas, que podem fazer estágios no exterior também pelo Ciência sem Fronteiras. O programa financia 101 mil bolsas, sendo que o governo financia 75% dessas bolsas, e várias empresas e associações empresariais que aderiram ao projeto financiam as outras 25%. Então, trata-se de outra grande linha de cooperação entre o governo e o empresariado para estimular essas áreas tecnológicas. Além disso, o Ciência sem Fronteiras também cria condições para atrairmos especialistas, cientistas e engenheiros para o Brasil. Então, quando nós assinamos um convênio com a Rússia, por exemplo, nós queremos estimular as duas coisas: a ida de estudantes para lá, e a vinda de especialistas russos para trabalharem em empresas ou órgãos do governo brasileiro. Engenharia, ciências biológicas e ciências da saúde são as áreas em que há o maior número de alunos no Ciência sem Fronteiras, daqui para o exterior. No sentido inverso, não há bolsas para alunos estrangeiros no Brasil. Na Rússia, até agora, há apenas um aluno de doutorado brasileiro pelo programa. Ele é da área espacial, e está em Moscou, no Joint Institute for High Temperatures of the RAS. Foi em outubro do ano passado, e deve voltar em setembro de 2015. Porém, com o acordo Brasil-Rússia firmado recentemente no âmbito do Ciência sem Fronteiras, há a expectativa de que em breve esse número aumente. Há que se mencionar aí a dificuldade que existe em relação à questão da língua. A representação no governo das universidades russas, com quem nós assinamos o convênio, é uma organização que cuida da alocação dos estudantes brasileiros nas universidades de lá. Junto com o governo e com o Ministério da Educação, eles estão preocupados em contribuir de alguma forma para que os estudantes brasileiros tenham um período de preparação da língua russa. Fora isso, as bolsas do Ciência sem Fronteiras cobrem não só as anuidades escolares como também o custo de estada, alimentação e seguro-saúde nos outros países – é uma bolsa completa.
Texto: Voz da Rússia e Diário da Rússia