C A-    A+ A    A    A
   buscar    busca avançada Mapa do site Fale Conosco  
   

imagem
Pesquisa do Museu Goeldi testa ervas receitadas contra diabetes
Clique para ver todas as fotos de Pesquisa do Museu Goeldi testa ervas receitadas contra diabetes
Amostras de ervas em laboratório do Museu Goeldi. Foto: Cristine Amarante/MPEG
14/11/2012 - 17:51
Ervas popularmente receitadas para o combate ao diabetes podem ter sua eficácia comprovada pela ciência. Uma pesquisa do Laboratório de Análises Químicas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCTI) mediu os teores de flavonoides das quatro espécies mais ofertadas aos frequentadores do mercado Ver-o-Peso, em Belém, e verificou que numa delas os níveis dessas substâncias superam os do chá preto, que estão entre os maiores já encontrados. Os flavonoides podem preservar a função das células que produzem a insulina, hormônio que controla a taxa de açúcar no sangue.

Esses compostos são encontrados em frutas, vegetais e bebidas derivadas como o vinho e o chá. “Como já se sabe, apresentam alta capacidade antioxidante e atuam como ‘varredores’ de radicais livres”, explica a professora Cristine Amarante, que orientou o trabalho do graduando Fábio Bruno de Souza. Os radicais livres – átomos e moléculas originados como subprodutos do metabolismo – têm funções importantes para o organismo, mas também estão associados ao envelhecimento e a doenças como câncer.

Sobre o diabetes, Cristine lembra que a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta a doença entre as cinco que mais matam no mundo, e que ela afeta 371 milhões de pessoas, 80% delas em países de média e baixa renda. No Brasil, mata cerca de 50 mil pessoas por ano. A OMS vem estimulando as pesquisas em torno de plantas medicinais para o tratamento dos pacientes.

“O difícil acesso aos centros de atendimento hospitalares, exames e medicamentos pela população carente, associados com a fácil obtenção e a grande tradição do uso dessas plantas, contribuem para sua utilização, principalmente na região amazônica, onde as condições sociais são precárias para grande parte da população”, acrescenta.

A pesquisa constatou algumas diferenças entre as recomendações das erveiras (vendedoras de ervas) para o preparo dos chás, tanto no método – infusão ou decocção – como no tempo. O próximo passo será tentar identificar os flavonoides presentes, priorizando a planta insulina – a espécie que apresentou o melhor resultado e que é conhecida por esse nome em função do uso antidiabético.

Em entrevista, a professora e pesquisadora do Museu Goeldi avalia que há uma aproximação real entre os conhecimentos tradicionais e científicos, e um interesse comercial crescente pelas riquezas naturais amazônicas. No entanto, aponta a falta de caminhos consolidados de parceria entre pesquisadores, comunidades tradicionais e setor privado. Ela também recomenda cuidado no uso de plantas medicinais.

Como surgiu o projeto e que passos já foram dados?

O projeto surgiu preliminarmente com a finalidade de dosar/quantificar o teor de flavonoides totais – TFT – em chás de plantas medicinais popularmente indicadas para o tratamento do diabetes, e seguindo o modo de preparo informado pelas erveiras.

A concepção do projeto se baseou numa conjugação de motivos. Vários estudos têm mostrado que o consumo de alimentos ricos em flavonoides, tais como os chás, foi associado a um aumento significativo nos níveis plasmáticos dessas substâncias em pacientes diabéticos, o que é um aspecto positivo, pois os flavonoides podem preservar a função das células β (beta), as responsáveis por sintetizar e secretar a insulina. A OMS prevê que as mortes por diabetes duplicarão entre 2005 e 2030, e por isso tem estimulado a investigação de plantas medicinais para serem usadas em seu tratamento.

Nesse contexto está o Mercado do Ver-o-Peso, que oferece uma grande diversidade de ervas medicinais, atraindo não somente os paraenses, mas visitantes de todas as partes do Brasil e do mundo. É um verdadeiro ponto cultural, onde as erveiras repassam e vendem o saber tradicional de gerações de ribeirinhos e indígenas, indicando as ervas e o modo de preparo do remédio caseiro para todo tipo de enfermidade. Tendo em vista que vários fármacos disponíveis no mercado foram isolados de plantas utilizadas pela população, um bom ponto de partida para o nosso estudo seria a própria indicação das erveiras, cujo conhecimento empírico atravessa séculos. Para isso, procuramos barracas locais como compradores que quisessem obter ervas, simulando a automedicação, para os sintomas de diabetes. Não foi revelada a finalidade de pesquisa, para evitar possíveis influências nas respostas.

Constatamos que há várias espécies ofertadas para esse fim e nos detivemos nas quatro mais indicadas pelas comerciantes, as conhecidas popularmente como insulina [Cissus sicyoides], pata-de-vaca [Bauhinia variegata], mira aruíra [Salacia impressifolia] e pedra de ume caa [Myrcia sphaerocarpa]. Preparamos os chás de todas as formas ensinadas e dosamos os flavonoides para verificar de qual das preparações resulta um chá com maior teor.

Quais são os resultados até agora?

Os testes comprovaram nossa hipótese, de que essas ervas contêm apreciáveis teores de flavonoides, sendo, portanto, boas fontes da substância. Mais do que isso: a que é conhecida como insulina – justamente por esse uso – mostrou teores acima até do chá preto, que é uma bebida conhecida por apresentar uma das maiores concentrações desses compostos. Para essa erva, o tempo de aquecimento por 15 minutos foi o modo de preparo que mais liberou flavonoides.

As outras, embora tenham apresentado teores de flavonoides inferiores aos da insulina, mostraram valores comparáveis aos encontrados no vinho tinto. Porém, para estas o tempo de aquecimento acima de 10 minutos causa uma redução do teor. Agora vamos repetir a amostragem. Para ir mais fundo, dependemos da aquisição de equipamentos de ponta, que permitam identificar os flavonoides presentes. Entramos com projetos em alguns editais para isso.

No caso de uma comprovação, deve ser gerada patente? Como seria a condução disso, considerando que os vegetais estudados têm uso corrente?

Se for identificada uma nova molécula, com um efeito surpreendente associado – exemplo: fármaco que traga um efeito sinérgico –, e que não seja conhecida no estado da técnica ou arte, é factível de proteção por patente, porém somente após muita pesquisa que realmente identifique esse efeito. Poderá ser gerada também patente do processo de extração a partir dessa espécie identificada. Mesmo se a molécula for conhecida, o vegetal usado pode ser considerado uma nova fonte para a obtenção dessa partícula.

A questão tem uma certa complexidade, porque não pesquisamos as quatro ervas numa comunidade específica. Elas são vendidas em diversas barracas, frequentadas inclusive por estrangeiros. De qualquer forma, um depósito de patente não impediria que os vegetais continuassem sendo vendidos nas barracas da forma como hoje o são, mas poderia servir como uma estratégia de proteção. Por exemplo, com a patente do processo de extração nós teríamos como selecionar empresas que se comprometessem em dar algum retorno para a “comunidade”, no caso as erveiras.

Estudos como o que a sra. conduz sobre a aninga – planta usada tradicionalmente para vários fins terapêuticos – mostram que, ao lado dos potenciais benefícios, há riscos à saúde com o uso inadequado. Que cuidados podem ser tomados nesse campo, considerando que a venda se dá num contexto informal?

Essa questão é realmente muito delicada, porque as pessoas tendem a pensar que, por se tratar de um produto natural, uma erva, não existe a possibilidade de fazer mal à saúde. Ledo engano. Na mesma planta podem estar presentes substâncias tóxicas. Principalmente quando adquiridas em feiras, há que se ter um maior cuidado ainda, porque não existe a garantia da procedência desse material botânico e nem de que a pessoa está vendendo a espécie corretamente identificada. Além disso, vale lembrar que todo vegetal reflete o meio circundante, podendo absorver impurezas do solo. Se o solo estiver contaminado por metais pesados, por exemplo, há um grande risco de envenenamento, que pode levar até a óbito. Na literatura especializada existe um considerável número de relatos com severos sintomas de envenenamento por metais pesados a partir do uso de remédios caseiros.

Outro aspecto importante é observar a higiene da barraca e, mesmo assim, antes de preparar o chá, a orientação é lavar bem as folhas em água corrente para eliminar possíveis impurezas oriundas da própria contaminação atmosférica do local de onde a planta foi coletada. Logo, apesar da tradição do uso desses chás e de relatos de usuários que incentivam seu consumo, é muito importante que não se exagere na dose, ou seja, os chás devem ser consumidos com moderação. Vale lembrar sempre que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

Parece existir uma atenção crescente à flora amazônica para uso na medicina, na nutrição e na cosmética. Isso é comprovado por exemplos recentes de patenteamentos?

Sim, basta uma simulação no Google Patents para termos uma noção dessa enorme tendência. Só para ter uma ideia, com a palavra “jambu”, por exemplo, aparecem 4.500 resultados entre patentes pedidas e concedidas, para o “açaí” mais de 2.800 registros, para a “andiroba” mais de 300 e para a “copaíba” mais de 1.500. No próprio site do Museu Paraense Emílio Goeldi existe uma exposição virtual, uma coleção de postais que trata de uma série de casos de patentes originadas de recursos naturais como os já citados, o curare e o guaraná, entre outros.

A última reunião anual da SBPC teve como mote “Ciência, cultura e saberes populares para enfrentar a pobreza”. A SNCT tratou de “Economia verde, sustentabilidade e erradicação da pobreza”. A sra. vê uma aproximação efetiva entre esses conhecimentos, com esses objetivos? Que potencial e que obstáculos estão presentes nessa combinação?

Sim, há uma aproximação a partir do uso dos conhecimentos tradicionais para estabelecer junto com o saber científico modelos econômicos de baixo carbono. Entretanto, há uma insegurança jurídica relacionada ao acesso às informações de comunidades tradicionais e o uso dessas informações pelas empresas. Não fica clara ao pesquisador e às comunidades tradicionais a melhor forma de estabelecer parcerias com o setor privado para desenvolver pesquisas e usar os resultados.

No caso específico desta pesquisa com as ervas ditas como antidiabéticas pelas erveiras, uma ideia de agregar valor ao produto comercializado por elas seria incluir na embalagem uma espécie de certificado informando primeiramente a correta identificação da espécie e o teor de flavonoides – e de outros elementos que porventura seja importante informar – contido na erva, além de recomendar o melhor modo de preparo, isto é, uma “formulação técnica”. Funcionaria como uma espécie de selo de qualidade. Haveria então a inserção dessa comunidade no que se chama de atividade de ocupação e renda, em que se poderia desenvolver uma estrutura de cadeia produtiva com a repartição justa de benefícios.

 

Texto: Pedro Biondi – Ascom do MCTI (atualizado em 15/11/2012)

Outras Imagens
A professora Cristine Amarante, orientadora da pesquisa. Foto: Raimundo Junior da Rocha Batista
A professora Cristine Amarante, orientadora da pesquisa. Foto: Raimundo Junior da Rocha Batista
Quatro espécies foram testadas na pesquisa. Foto: Cristine Amarante/MPEG
Quatro espécies foram testadas na pesquisa. Foto: Cristine Amarante/MPEG
Erveiras do mercado Ver-o-Peso. Foto: Caroline Amarante/MPEG
Erveiras do mercado Ver-o-Peso. Foto: Caroline Amarante/MPEG
Esplanada dos Ministérios, Bloco E,
CEP: 70067-900, Brasília, DF Telefone: (61) 2033-7500
Copyright © 2012
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação