Diretor geral do Impa, César Camacho: apoio à matemática aplicada. Foto: Divulgação Impa
Orgulho da ciência brasileira, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), completa 60 anos fiel à sua missão, de realizar pesquisas de alto nível, formar novos pesquisadores e disseminar a matemática em todos os níveis. É o que observa o diretor geral do instituto, César Camacho, que o considera uma "máquina muito eficiente", capaz de formar de 20 a 22 doutores por ano, que a cada dia se consolida como o maior centro de pesquisa de matemática da América Latina.
Sobre o ensino da matemática, o diretor não faz segredo. “Se você tem sorte de contar com um professor motivado, então vai aprender”, observou. A expectativa de Camacho é de que o instituto mantenha a qualidade de sua produção científica pelos próximos 30 anos, devido "à participação crescente de jovens extremamente brilhantes, entre seus pesquisadores" e "ao apoio especial que será dado à matemática aplicada, para que esta possua infraestrutura suficiente para crescer ainda mais, em especial, na áreas de dinâmica de fluidos, aspectos de otimização e computação gráfica".
Ao considerar a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) uma das principais inovações desenvolvidas pelo instituto, o diretor fez uma previsão otimista: “São milhares de estudantes, selecionados todos os anos, que vão à universidade com convicção e conhecimento do que pretendem estudar. Isso equivale a um tsunami de talentos, que invadirá a ciência brasileira, provocado pela Obmep”, afirmou. A seguir, a entrevista do diretor do Impa ao Portal do MCTI.
Qual a contribuição do Impa para a consolidação do sistema nacional de ciência e tecnologia?
O Impa é uma instituição pioneira no aporte à ciência brasileira. Foi a primeira criada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e sua estrutura passou a ser modelo aos demais institutos. Metade dos matemáticos é do Conselho Técnico-Científico (CTC) do Impa, e o restante, outras instituições. Somos ponto de referência obrigatória da matemática, em qualquer nível, e orgulho da ciência brasileira. Ao longo de sua história e diante dos percalços no caminho, a instituição se ajustou à sua missão, baseada em três princípios: realizar pesquisas de alto nível, formar novos pesquisadores e disseminar a matemática em todos os níveis.
Um país justo e desenvolvido precisa de mérito e ciência, afirmou a presidenta Dilma Rousseff, recentemente. Qual a sua opinião?
Você tem razão. Isso está na mesma linha de argumentação. De que maneira o Impa contribuiu para a ciência brasileira. A Obmep é uma projeção do instituto, que traz um princípio fundamental: a seleção pelo mérito, a qualquer custo. A missão de formar novos pesquisadores é vista como coisa natural agora, mas quando a instituição nasceu, nos primeiros 15, 20 anos, quando se falava em instituto de pesquisa em matemática na América Latina, o Impa era uma espécie de academia, onde as pessoas iam tomar um chá e discutir matemática no mais elevado nível, mas não se imaginava a presença de alunos ou em um programa de formação. Em 1962, ele já possuía um curso de pós-graduação e, em 1971, foi a primeira instituição brasileira a receber credenciamento para conceder o grau de mestre-doutor pelo Conselho Federal de Educação (CFE).
O Impa pode ser considerado um centro multiplicador de conhecimento o tempo inteiro?
De fato, o Impa foi refinando sua estrutura, mudando, se adaptando. Atualmente, ele é ‘uma máquina muito eficiente’, que produz de 20 a 22 doutores por ano, em ritmo permanente e sob padrões elevados para publicação de teses. Uma das inovações mais recentes é a Olimpíada de Matemática, que vai ter um impacto extraordinário para a ciência brasileira. São milhares de estudantes, selecionados todos os anos, que vão para a universidade com convicção e conhecimento do que pretendem estudar. Isso equivale a um tsunami de talentos, que invadirá a ciência brasileira, provocado pela Obmep. Há controvérsia no meio científico se esse modelo adotado foi bom, porque trouxe benefícios que sequer foram imaginados. Nosso principal órgão é um conselho composto por dez membros, dos quais só dois são nossos matemáticos, e o restante é de representantes da sociedade que, por sua vez, trouxeram para o instituto, não só matemáticos, mas representantes da sociedade. Adotamos uma dinâmica de trabalho que não depende dos cargos de funcionalismo público, mas que nos capacita a aprimorar e contratar jovens brilhantes, de todas as partes do mundo, trabalhando na instituição. Tudo isso pode ser colocado como um aporte à ciência brasileira.
Como é possível tornar a matemática mais atrativa?
O aprendizado da matemática é um pouco mais sutil que o de outras disciplinas, porque é um aprendizado sequencial. Se você não aprende um conceito agora, não vai aprender um conceito mais avançado no ano que vem. Se não aprendeu a operar com frações, posteriormente, você será incapaz de utilizar a regra de três. Se você tem sorte de contar com um professor motivado, então vai aprender. Mas, se em um ano de sua infância, você encontra um que não é bom, seu futuro vai estar sendo prejudicado. Então, isso vai colocar no aluno uma carga a mais, que ele vai ter quem, no ano seguinte, estudar o que não aprendeu no ano anterior, além da matéria nova. Isso fica muito confuso, além de ser um dos fatores determinantes para que a maior parte das pessoas reclame. E aí vem as perguntas mal dirigidas, como: Qual é a metodologia para aprender matemática? De que maneira se ensina matemática? O problema é que a matemática que a gente deveria aprender na escola tinha de ser acessível a qualquer pessoa normal, se adequadamente ensinada e no ritmo próprio. O que está faltando são professores bem preparados para comunicar ideias e conceitos às crianças. Isso diz mais do que os métodos, o que está faltando na educação brasileira são professores que saibam o que têm de ensinar. A metodologia, a didática, isso conta, mas não adianta nada se o professor não sabe o que tem de ensinar. Esse é um aspecto muito comum e as pessoas concluem que não servem para a matemática, vão fazer outra coisa da vida.
A Obmep ajuda a motivar o interesse pela matemática?
A Obmep, com essas provas nacionais, está trazendo à tona situações muito singulares. Por exemplo, professores que declaram que jamais imaginavam que existissem estudantes com capacidade para resolver problemas matemáticos, que ganham medalhas, em que o professor não imaginava que isso poderia acontecer. Isso já denota como o professor não está sintonizado com o estudante. E pode ser um estudante tão brilhante que a aula deixa de ser interessante. Outro fato importante é que num bom número de casos, as pessoas se tornaram matemáticos porque tiveram um bom professor, que ensinou algo que aparentemente muito difícil e não era, passa a ser compreensível, lógico, e você aprenda uma maneira de operar. Uma vez que a pessoa aprende a fazer alguma coisa bem, ela passa a ter prazer com isso. Há o caso de grandes matemáticos que eram crianças-problema porque foram, alguns deles, até expulsos da escola. Nesse caso, a família coloca um professor particular para fazer com que a criança melhore na escola. Então, esse professor descobre que tem, diante dele, um matemático in natura. Essa questão do ensino da matemática é complicada porque o aluno não sabe que pode aprender matemática, o professor não sabe que tem um aluno que pode aprender a matéria.
O senhor conhece a história da estudante do Acre, medalhista de ouro da Obmep, que passou a gostar de matemática quando encontrou, na biblioteca de sua escola, um livro de questões da Obmep?
Esse foi o meu caso. Um livro chegou às minhas mãos, na casa do meu avô, que era marceneiro, que continha ajuda de matemática. Comecei a folheá-lo, mas ele era nem era matéria do meu nível de aprendizagem, pois teria que esperar mais um ano para atingir à 3ª série, quando começam a ser dadas aulas de aritmética, O livro era de um autor cubano, que li até o fim, sozinho. À medida que você vai lendo e entendendo, você acaba gostando. No fim de cada capítulo, havia problemas. É uma maneira de ter um professor permanentemente. Então a produção de uma literatura que leve à escola bons livros, bem escritos, sem erros, logicamente bem concebidos, isso é de uma importância fundamental. A Obmep opera nessa linha, tem o banco de questões, incluindo livro sobre educação científica, tem uma literatura bem ampla nessa direção.
O Impa trata, tanto da matemática pura, quanto aplicada. Como as duas vertentes dialogam?
Elas dialogam de uma maneira natural porque os matemáticos que fazem a matemática aplicada são, na maioria, de formação pura, muito ampla, em excelentes instituições. Então, já a linguagem e o nível que operam é bastante avançado, mais especializado para as aplicações que eles têm. Há uma certa estratificação no Impa. No programa de mestrado, por exemplo, há mestrado em computação gráfica, mestrado em dinâmica de fluidos. Há uma preparação básica, uniforme, comum a todos os cursos, que depois bifurca, vai para a especialização. Então, a matemática aplicada está bem integrada no Impa, mas ela precisa, ainda, ganhar uma dimensão maior. Nos próximos anos, estamos programando um apoio especial à matemática aplicada, para dotá-la de uma infraestrutura que permita crescer mais. Ela tem, ainda, poucas áreas para o Brasil, mas são áreas que o Impa opera de maneira excelente, como, por exemplo, a área de dinâmica de fluidos, aspectos de otimização, computação gráfica.
É fato que o Impa supera universidades de excelência americanas, como Harvard e Princeton, em publicação de artigos relevantes?
No momento em que você tem uma instituição aberta à contratação de qualquer pessoa, independente de sua nacionalidade, e se ela faz concursos internacionais, abertos a qualquer doutor, de qualquer parte do mundo, e se você tem um sistema de bolsas e de salários compatíveis com o início de carreira, similar a qualquer parte do mundo, então você está competindo em igualdade de condições. A pessoa pode querer ir para os Estados Unidos, que é um centro mais avançado, mas há pessoas que também querer viver no Brasil e não são poucas. Ao mesmo tempo, a instituição oferece, a esses doutores que vêm trabalhar aqui, condições de trabalho excepcionais, em termos nacionais, que são até melhores que no exterior. Por exemplo, uma série de contratos e convênios que temos com instituições de fora, que permitem um intercâmbio muito grande. O número de visitantes que o Impa pode ter trazer é substancialmente bom. Na prática, o número de visitantes que nós temos permite que um pesquisador, em média, possa trazer outro pesquisador, que pode ficar aqui permanentemente. São pouquíssimas instituições no mundo que oferecem essas condições de trabalho. Naturalmente, você tem um corpo científico sintonizado com o melhor do mundo, que é um fator de competitividade.
Quais são as perspectivas do instituto para os próximos anos?
Temos um crescimento programado para suprir a falta de pessoas que se aposentam, por meio de renovação dos contratos que foram assinados até 2016, que serão renovados. Então, a reposição do corpo científico, pode se dizer, está garantida para o futuro próximo. A menos que haja uma mudança dessa programação, é uma garantia de que todos os projetos de crescimento e de incremento do número de áreas do Impa se realizem com uma certa tranquilidade.
Eem 30 anos, é possível atingir o objetivo de triplicar o número de estudantes?
Acho que sim, porque esse é um crescimento exponencial. À medida que você vai aumentando a formação, aqueles que se formam vão formar outros, num efeito multiplicador enorme. Estou muito confiante de que estamos entrando numa fase de crescimento mais acentuado.
Texto: Ascom do MCTI