Ilustração: Stephan D. Nash - Saguinus, nova espécie encontrada na Amazônia
Saguinus fuscicollis mura é o nome científico da nova espécie de sagui - primata de pequeno de porte - descoberta na Amazônia. Denominada de sauim-dos-índios-mura pelos cientistas, a espécie, descrita recentemente, é endêmica de uma área de floresta de terra firme situada entre os rios Madeira e Purus, no Amazonas.
Ocorrida em expedição promovida pela Rede Temática de Pesquisa
em Modelagem Ambiental da Amazônia (Geoma), em 2007, a descoberta acrescenta mais uma peça ao intrincado quebra-cabeças sobre a evolução da diversidade biológica da maior floresta tropical do planeta.
“Esperamos encontrar ainda outras espécies de primatas nessa região”, diz José de Sousa e Silva Jr., do Museu Paraense Emílio Goeldi (Mpeg/MCT), que junto com os pesquisadores Fábio Röhe, da Wildlife Conservation Society (WCS); Ricardo Sampaio, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) e Anthony B. Rylands, da Conservação Internacional (CI), é responsável pela descrição da nova espécie, publicada, em junho último no International Journal of Primatology.
Saguis
Encontrado no extremo norte da região situada entre os rios Madeira e Purus, ao sul do rio Amazonas, o Saguinus fuscicollis mura pesa cerca de 300 gramas e mede pouco mais de 50 cm de comprimento, incluindo a cauda. O pequeno primata tem pelagem marrom escura e sela mosqueada de ocre e marrom quase negro. A cauda é negra e o ventre marrom avermelhado. “A espécie não apresenta sobrancelha branca, característica observada em alguns táxons do grupo, como o S. f. primitivus e o S. f. weddelli”, observa o pesquisador Röhe. “Eles ocorrem em grupos pequenos, em torno de cinco a seis indivíduos”, informa.
A espécie pertence ao grupo dos saguis, macacos de pequeno porte, com unhas modificadas em forma de garras, que se alimentam de frutos e insetos. Outra característica dessa família é que as fêmeas geralmente têm gêmeos. “O gênero Saguinus é o que apresenta maior número de espécies na região Neotropical. Ele ocorre em toda a Amazônia, exceto entre os rios Tapajós e Xingu”, diz Silva Jr. explicando que os primatas da Amazônia têm distribuição delimitada pelos rios. “Ao longo do tempo, os grupos foram se diferenciando e novas espécies foram surgindo”.
No caso do S. f. mura as diferenças externas em relação às espécies irmãs, como S. f. weddelli e S. f. avilapiresi, que habitam regiões próximas, facilitaram o trabalho dos cientistas, que compararam suas medidas cranianas e características de pelagem com outras espécies do mesmo grupo. “A primeira característica que distingue os primatas é a cor da pelagem. É assim que eles começam a se diferenciar”, explica Silva Jr. “Outras espécies apresentam diferenças mais sutis, o que requer a utilização de ferramentas mais sofisticadas, como a biologia molecular, que permite analisar as relações de parentesco por meio do DNA”.
Quebra-cabeça
Segundo Röhe, a descrição de novas espécies de primatas na Amazônia é relativamente freqüente, com taxa média de uma nova espécie descoberta por ano, desde a década de 80. “Acessar áreas nunca antes amostradas geralmente traz novas espécies ao grupo de primatas. A principal lição a ser aprendida com a nova descoberta é que, a exemplo do que pode ter ocorrido na Mata Atlântica, várias espécies podem ser extintas antes mesmo de serem conhecidas pela ciência”.
A descoberta chama a atenção também para o desconhecimento taxonômico e geográfico desse grupo biológico. “O grupo de espécies ao qual pertence S. f. mura é pouco estudado e ainda apresenta muitas lacunas”, diz Röhe. “Também mostra o nosso desconhecimento sobre o bioma amazônico, já que essa nova espécie foi coletada a menos de 100 quilômetros de Manaus”.
“Nosso trabalho na Amazônia é como levantar peças de um imenso quebra-cabeças”, define o pesquisador do Museu Goeldi que também está descrevendo outras espécies de primatas encontradas em Rondônia: duas do gênero Mico, que habitam as margens esquerda (Mico rondoni) e direita (M. ssp.) do rio Ji - Paraná; além de uma terceira espécie, do mesmo gênero, encontrada no Vale do Guaporé, que ainda está em estudo pelo cientista.
A espécie recém descoberta no Amazonas já enfrenta uma série de ameaças à sua sobrevivência. A destruição da floresta em virtude da construção do gasoduto Urucu-Porto Velho e das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, além da pavimentação da rodovia BR 319, que liga Manaus a Porto Velho, deve afetar consideravelmente o equilíbrio dos ecossistemas da região.
Segundo Röhe, as ameaças são concretas se “o governo insistir em negligenciar a conservação da biodiversidade e dos sistemas naturais, ao invés de ter em mente que o País seja, talvez, o único País com condições ambientais de promover um desenvolvimento diferenciado, respeitando organismos que custaram milhões de anos para se tornar criaturas fascinantes e fundamentais para a sobrevivência saudável do planeta.” Diante de um cenário nada otimista à conservação, os cientistas acreditam que os sauins-dos-índios-mura, futuramente confinados a pequenas manchas florestais, serão extintos nos próximos 50 anos.
Descrição
A descrição de uma nova espécie começa com a coleta de espécimes, indivíduos pertencentes ao grupo biológico investigado, que serão utilizados na preparação de material biológico a ser analisado. Algumas partes do corpo, como peles, são utilizadas em análises moleculares comparativas, que fornecem informações bastante precisas sobre diferentes formas de animais, além de indicarem o parentesco entre elas.
Outra etapa da investigação consiste na obtenção de medidas cranianas e na caracterização da coloração da pelagem, aspectos também essenciais para a comparação com táxons aparentados. “Com isso temos diagnósticos entre as espécies analisadas, que trazem a confirmação de animais desconhecidos para a ciência”, explica Röhe.