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Pesquisa prioriza olhar antropológico e sociológico sobre Caxiuanã
25/05/2009 - 13:27

Atualmente 456 pessoas, distribuídas em 92 famílias, moram na Floresta Nacional de Caxiuanã (Flona), no município de Melgaço, no arquipélago do Marajó, no Pará. Durante dez dias, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores e profissionais da saúde realizou o censo populacional e entrevistou a totalidade da população da Flona, cuja extensão é de 330 mil hectares. A iniciativa busca traçar o perfil sócio-econômico e epidemiológico das populações humanas de Caxiuanã.
 
As pesquisas objetivam realizar diagnóstico das condições sociais, econômicas e de saúde das populações que moram na Flona e no seu entorno e que dependem de seus recursos naturais para sobreviver. “Buscamos trabalhar todas as vertentes de maneira interdisciplinar e transdisciplinar”, explica Graça Ferraz, coordenadora de um dos estudos.
 
Realizada em abril, a expedição científica integra a primeira fase de dois projetos: “Diagnóstico Sócio-Ecológico das Populações Ribeirinhas da Floresta Nacional de Caxiuanã, municípios de Melgaço e Portel, Pará: Mudanças Sociais, de Saúde e Possíveis Impactos na Biodiversidade Local e Regional”, coordenado pelas pesquisadoras Graça Ferraz, Rosa Paes e Eliane Leal, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCT); e Determinantes sócio-ecológicos das doenças crônico-degenerativas em populações tradicionais da Amazônia: compreendendo a ontogenia destas epidemias em populações vulneráveis, coordenado pelo médico Hilton Pereira da Silva, antropólogo e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA).
 
Gente e sustentabilidade

Para Graça, além de produzir conhecimento sobre as populações humanas da região, o Diagnóstico Sócio-Ecológico das Populações Ribeirinhas da Flona de Caxiuanã contribuirá para a sustentabilidade e melhor gerenciamento de Caxiuanã, ao gerar informações referentes à sócio-economia local. “É um projeto audacioso, um desafio, pois Caxiuanã é um campo imenso para a pesquisa, que precisa de muitos profissionais qualificados para trabalhar”, explica Graça. Na sua opinião, os dados gerados podem ser utilizados em diversas ações, inclusive na elaboração do Plano de Manejo da Flona, sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
 
Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT), a primeira fase do Diagnóstico Sócio-Ecológico iniciou em outubro de 2008 e encerra em maio de 2009, com a realização de censo populacional e de levantamentos sócio-econômicos que buscam avaliar as mudanças demográficas da área, além da utilização dos recursos naturais da região. “Visitamos todas as casas localizadas na Flona”, explica Graça, que há 15 anos trabalha na região.
 
Segundo Graça, a investigação pretende avaliar a condição de vida dessas famílias a partir da coleta de informações sobre sua renda, os sistemas de produção adotados, fontes de alimentação, as condições sanitárias e de habitação, produção de resíduos sólidos e atendimento à saúde básica, além de questões ligadas à realidade fundiária e aos problemas comunitários, entre outros. “Já temos o perfil da população por faixa etária e por gênero, além do georeferenciamento de todas as localidades e comunidades localizadas dentro da Flona”, afirma.
 
Informações preliminares indicam que novos moradores já se instalaram dentro de Caxiuanã. De acordo com o artigo 17, da Lei Federal nº 9.985, de 18/07/2000, mais conhecida como Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), uma floresta nacional “é uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas”.
 
Questões críticas

Durante a expedição também foram realizadas várias ações na área de saúde, como consultas médicas e odontológicas, coleta de material para exames e de preventivo de câncer ginecológico, entre outras. “Deixamos a população da Flona vacinada contra a gripe”, relata Graça. A iniciativa teve a parceria da prefeitura de Portel, que cedeu o Barco da Saúde, com capacidade para 55 passageiros, para a realização da pesquisa e do atendimento médico. A expedição teve ainda a participação de equipes de saúde e de assistência social do município. “A saúde é uma questão crítica na Flona. Na localidade de Pracupi encontramos pessoas passando fome e com a saúde bastante debilitada”, lembra Graça.
 
Na oportunidade, também foram realizados a antropometria (mensuração do corpo humano) da população da Flona e um levantamento epidemiológico, que avaliou cerca de 400 pessoas, de todas as faixas etárias e ambos os sexos, com relação ao seu estado nutricional (peso, altura, índice de massa corporal, etc.) e de saúde física (exame clínico e, quando necessário, bioquímico).

As condições sócio-sanitárias das casas da Flona também se constituem em objeto de investigação do projeto Determinantes Sócio-Ecológicos das Doenças crônico-degenerativas em populações tradicionais da Amazônia, financiando pelo Decit/MS/CNPq.
 
“Como não há dados reais sobre a situação de saúde e acesso a serviços públicos de saúde das populações rurais no Pará, este projeto é fundamental para subsidiar políticas públicas de saúde mais adequadas aos grupos vulneráveis, sendo este o seu principal objetivo prático”, explica o coordenador do levantamento epidemiológico, Hilton Pereira da Silva, que investiga a emergência das chamadas “doenças da modernidade”, como hipertensão arterial, diabetes e obesidade, principalmente, e os processos microadaptativos humanos ao ambiente tropical.
 
“Os dados ainda estão em fase preliminar de análise, mas já é possível dizer que há prevalências elevadas de cáries e perdas dentárias, anemia, desnutrição infantil, infecções respiratórias agudas, parasitose intestinal, diarréia e hipertensão, além de uma grande dificuldade de acesso aos serviços de saúde”, explica o médico que também é antropólogo.
 
Exclusão

A educação é outra questão crítica dentro de Caxiuanã. As comunidades de Pedreira, Laranjal e Caxiuanã, por exemplo, tem acesso ao ensino fundamental e tem apenas um pólo que atende de 5ª a 8ª série. Outro problema são as grandes distâncias que dificultam o acesso de jovens e crianças às poucas escolas existentes na região. “Na expedição, constatamos que as crianças do Igarapé Grande estão fora da escola”, conta Graça.

Localizada no meio do rio Pracupi, Igarapé Grande fica distante das duas escolas disponíveis que ficam nos extremos do rio. De voadeira (barco a motor), leva-se cerca de três horas para percorrer o rio em sua totalidade. “Os alunos que moram no meio do rio ficam sem estudar porque é muito perigoso e cansativo percorrer toda essa distância de canoa”, explica. “Não é certo excluí-los da escola só porque são poucos e moram distante dela”.
 
Com tantos recursos reunidos em termos de pessoal qualificado e infraestrutura para circular em tão grandes áreas, o principal problema para a continuidade da pesquisa é de ordem financeira. “Só temos financiamento garantido para essa primeira fase”, explica Graça. “Vamos apresentar o relatório parcial ainda este mês para a Fapespa, condição indispensável para o recebimento da segunda parcela dos recursos aprovados”.
 
A segunda expedição do projeto Diagnóstico Sócio-Ecológico das Populações Ribeirinhas de Caxiuanã está prevista para setembro próximo, ainda com recursos da Fapespa, e deve percorrer as comunidades localizadas na zona de amortecimento da Flona, que faz divisa com os municípios de Senador José Porfílio, Porto de Moz, Portel e Melgaço. Uma região permeada por intensos conflitos de terra e que serve de entrada para madeireiros e caçadores que atuam ilegalmente dentro da Flona, como denuncia Graça. “Por fora a Flona de Caxiuanã parece intocada, mas por dentro a realidade é bem diferente. É uma coisa que todo mundo sabe, mas finge que não vê”.

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