Encontro Rádio e Ciência / Ciência no Rádio
Brasília 20/21 de junho de 2006
A ciência no rádio brasileiro
Erika Franziska Herd Werneck
A mais útil das ciências será aquela cujo fruto seja mais comunicável.
Leonardo da Vinci
Tratado de Pintura
Divulgação científica
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tornar público, difundir
Jornalismo científico
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modalidade de divulgação científica.
Introdução
No dia 20 de abril de 1923, o antropólogo e educador Edgar Roquette- Pinto e vários membros da Academia Brasileira de Ciências fundaram, nas dependências da Academia, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, atual Rádio MEC. Era uma emissora de cunho educativo, com fins científicos e sociais, como queria o seu fundador. No dia 1o de maio, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro fez sua primeira transmissão experimental. Na ocasião, Roquette-Pinto disse ao microfone: "A partir de agora, todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasil receberão livremente o conforto moral da ciência e da arte pelo milagre das ondas misteriosas que transportam, silenciosamente, no espaço, as harmonias".
Oficialmente, a Rádio Sociedade entrou no ar no dia 7 de setembro daquele ano. Sua programação, a princípio, era uma extensão da Academia Brasileira de Ciências. Os acadêmicos produziam, escreviam e apresentavam os programas. Assim, os cientistas foram os primeiros radialistas brasileiros, ainda que amadores. Roquette-Pinto, por exemplo, apresentava o Jornal da Manhã. Lia e comentava notícias que ele selecionava nos jornais. (Foi ali que nasceu o que mais tarde se chamaria de gilette press, uma prática, lamentavelmente, usada ainda hoje). Outros tocavam discos de suas coleções particulares. Falavam dos compositores, músicos e cantores. Havia, também, os que usavam o microfone para dar palestras e cursos, de acordo com suas especialidades. A Rádio atendia, com isso, aos anseios daquele pequeno grupo de cientistas que fundou a Academia e que defendia a difusão ampla da ciência no Brasil. Na sua dissertação de Mestrado defendida no IBICT, no Rio de Janeiro, em 1998, a jornalista Luisa Massarani se refere a esse fato. Albert Einstein, durante sua estada no Rio, em 1925, visitou as instalações da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
Jornalismo científico no rádio
- Notícias factuais
- Programas de divulgação científica – uma janela aberta ao mundo da ciência.
Fatos jornalísticos relacionados a atividades científicas já encontram espaço no rádio e na TV. Temos vários exemplos: - a reconstituição do crânio de Luzia, a brasileira pré-histórica; clonagem; a utilização de células tronco para fins terapêuticos; a discussão em torno dos transgênicos; a descoberta de uma nova estrela ou de um crânio de crocodilo que viveu no Brasil há 135 milhões de anos e, mais recentemente, a viagem do astronauta brasileiro ao espaço.
Nesse sentido temos avançado bastante, embora ainda predominem na nossa imprensa assuntos internacionais ou aqueles considerados sensacionalistas, sempre valorizando o exótico ou o original. Nesses casos, o cientista, geralmente, é mostrado como uma criatura especial, ou é absolutamente esquecido.
Mas, o público brasileiro ainda é escassamente informado sobre o mundo da ciência, desconhecendo as atividades de nossos pesquisadores e das instituições em que desenvolvem suas atividade. Esse público ignora o processo de construção do conhecimento nos meios universitários e nas demais instituições de pesquisa. É aí que entra em cena a divulgação da ciência, que pode e deve ocupar espaço nobre no rádio. No Brasil, a mídia, em especial o rádio e a TV, também, assume importância na formação, não só de opinião, mas também de hábitos, costumes, comportamentos, a ponto de falarmos hoje na chamada sociedade midiática.
Como em nosso país a pobreza impossibilita, não apenas o acesso a bens materiais, mas também à cultura e ao saber, o rádio e a TV se afirmam, cada vez mais, como instrumentos transmissores de informação. E, como a informação e a transmissão do conhecimento são partes de um processo educativo, defendemos o princípio de que jornalistas, radialistas, produtores de TV, pedagogos e professores devem se aliar num projeto que contemplo a formação continuada do cidadão. Só uma pessoa bem informada é capaz de exercer conscientemente a sua cidadania. Nesse sentido, é bom lembrar que rádio e televisão são concessões públicas e, assim sendo, devem assumir compromissos com a coisa pública. E, a informação, no seu sentido mais amplo, é parte desse compromisso. É bom lembrar, também, que o artigo 5o da Constituição Brasileira assegura a todos o acesso à informação. Num país como o nosso, em que predomina a pouca informação, que meios são mais adequados para levar informação a milhões de pessoas senão o rádio e a televisão? E, dentre ambos, o rádio ainda é o mais popular meio de comunicação e de maior alcance público. Atinge a todos, sem distinção de escolaridade, classe social ou condição econômica. Fala a todos individualmente, acompanha o ouvinte no carro, na cozinha, na sala, na praia ou no local de trabalho.
Televisão X Rádio
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Produção de alto custo
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Produção de baixo custo
A produção de programas de divulgação científica em televisão é cara. Requer tempo de preparação. Exige apuração cuidadosa da matéria, consultoria, maior apuro e rigor dos apoios visuais, ainda mais hoje em dia, com o público cada vez mais acostumado a ver recursos visuais sofisticados. Fazer um programa de divulgação científica sem utilizar recursos visuais e sonoros, limitado a uma conversa em estúdio, é até fácil. Mas, não há público que agüente. Difícil é criar e desenvolver formatos que sejam dinâmicos, leves, instigantes, que despertem a curiosidade do telespectador.
E por falar em ciência: uma experiência radiofônica
Em 1990, no Departamento de Comunicação da Universidade Federal Fluminense, propus aos meus alunos um projeto sistemático de produção de programas radiofônicos no âmbito do jornalismo científico. Eu dava aulas de jornalismo científico e rádiojornalismo. Juntei alunos das duas turmas e começamos a produzir programas. Durante dois anos, o trabalho foi fácil. Com a ajuda do então professor Luiz Alberto Sanz, conseguimos espaço na Rádio MEC, ruto de um convênio assinado entre a emissora e a UFF. Decisiva também foi a colaboração dos professores Antônio Serra e José Maurício Alvarez. Cinco dos nossos alunos receberam bolsa de iniciação científica da FAPERJ. Mas, todos que participavam, faziam pesquisa, apuração, produção, reportagem, redação e edição das matérias, além da sonorização, que sempre mereceu um tratamento bastante criterioso. Eu acompanhava e orientava todas as etapas.
Optamos pelo formato radiodocumentário, trabalhando com temas ligados aos mais diversos setores das ciências, desde a ciência da saúde até as ciências humanas, passando pela física, engenharia, química, biologia e tantas outras que têm contribuído para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. A lista era imensa e prova que, ao contrário dos que querem desmantelar a universidade brasileira, acusando-a de inoperante e improdutiva, é dela que saem profissionais criativos e competentes, dignos do maior respeito e merecedores do reconhecimento internacional. Não queríamos apenas mostrar o que os cientistas fazem. Queríamos, também, mostrar que a ciência faz parte do nosso dia-a-dia e que ela é uma aliada para solução de problemas de uma sociedade. Embora, seus resultados nem sempre tragam benefícios a todos.
No início, alguns alunos ficaram preocupados com uma nova realidade: a de produzir "pra valer", um programa com informações científicas. Escrever, portanto, sobre ciência e tecnologia assustava um pouco. Mas, elaborar uma matéria científica não é muito diferente da produção de uma matéria política ou econômica. A jornalista Lacy Barca, da TV E, e professora da PUC, lembrou certa vez que, do ponto de vista ético, exige-se do jornalista os mesmos cuidados de correção, fidelidade, imparcialidade. Pode-se escrever, radiodifundir, televisionar ou filmar qualquer informação científica em sua forma mais comum, com a mesma técnica usada para todas as notícias.
Com o passar do tempo, os alunos perceberam que além de informar sobre o que acontece no mundo da ciência e da tecnologia, o programa estava contribuindo para despertar vocações, estimulando a curiosidade de jovens, levando a eles algum conhecimento que pudesse contribuir para sua formação. Eles se deram conta, também, que, com seu trabalho, estavam ajudando a desmistificar a ciência e a figura do cientista, que muitas vezes tem sido sacralizada. Nesse aspecto, não encontraram muitas dificuldades, pois há alguns anos a imprensa escrita estava destinando espaço para a divulgação da ciência e tecnologia. Assim, muitos cientistas, antes um tanto avessos à divulgação de suas pesquisas, e desconfiados do trabalho profissional da imprensa, hoje vêem nos jornalistas, aliados na prestação de contas à sociedade. A locução, edição e sonorização das matérias eram feitas no estúdio da Rádio MEC. O maior desafio foi elaborar um formato que garantisse, ao mesmo tempo, a comunicabilidade do programa, a clareza e a precisão das informações e o interesse e mobilização do público ouvinte. Como se tratava de um projeto acadêmico, veiculado em emissora oficial, sem qualquer compromisso comercial, foi possível experimentar novos formatos. Mas, sempre a partir de critérios previamente discutidos, muitas vezes com os próprios cientistas. Um exemplo foi o programa sobre Estudos do caos, do qual participou o professor Ildeu de Castro Moreira, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e militante em defesa da popularização da ciência e da divulgação científica. Para viabilizarmos o programa, fizemos três reuniões com o professor, discutimos o roteiro, a abordagem e apropria trilha sonora.
Palavra e recursos sonoros são elementos que se complementam no rádio, e é neles que reside a força do veículo. Por não oferecer detalhes minuciosos, como a televisão, o rádio estimula o imaginário do ouvinte, levando-o a criar imagens por meio das descrições e relatos que ouve. Isso vale também para programas que divulgam ciência, independentemente de seu formato. No caso da série E por falar em ciência, um exemplo é o próprio programa que abordou os Estudos do caos, em que era preciso levar o ouvinte a relacionar o caos e sistemas caóticos a algo que lhe fosse familiar. Assim, o professor Ildeu foi buscar na natureza uma explicação para comportamentos caóticos.
Vamos ouvir um breve trecho do programa.
Como pudemos notar, não contando com a imagem de um rio específico, cada ouvinte "viu", ao ouvir a explicação do professor, um rio que lhe era familiar, e cada um, certamente, desenhou em sua mente o sol e a chuva que já vivenciou. Também ao explicar o que vem a ser o controle do caos, Ildeu levou ao ouvinte uma imagem por intermédio de sua descrição.
A limitação tecnológica exige que a mensagem radiofônica receba um tratamento que a torne inteligível. Para alcançar esse objetivo é preciso, pois, que se estabeleça uma relação de cumplicidade entre entrevistador e entrevistado. E isso vale também, ou, sobretudo, para programas de divulgação de ciência.
Como todos sabem, o rádio trabalha com o imaginário das pessoas, para compensar a ausência dos recursos visuais. Mas, para que o ouvinte possa "visualizar" o que está sendo dito, é preciso igualmente encontrar formatos que tornem o programa atraente. Por uma razão muito simples: o cérebro traduz sons e sentimentos. A linguagem radiofônica fala aos sentimentos, aos sentidos: afetos, emoções, dor, ternura, esperança, angústia. Se um programa de rádio faz rir ou chorar, está no caminho certo. Se provoca fúria (não pela qualidade do programa, mas pelo conteúdo que está transmitindo) também vale. Falar pelo rádio, é emocionar. Caso contrário, a mensagem não chega, não causa impacto.
Eu gostaria de propor um exercício, uma experiência. Assistam a um filme ou a um programa de televisão e tirem o seu volume. A imagem pode ser boa, impactante, a atuação excelente. Mas, a falta de som torna a transmissão fria. Façam, depois, ao contrário: fechem os olhos e ouçam apenas o som. Vocês vão ouvir os diálogos, a música, o ambiente. Mesmo sem a imagem a nossa recepção será muito mais emotiva. Essa é a força do rádio, sua grande característica. Além do mais, ele fala a cada um em particular, como um grande amigo. Foi a contribuição que o transistor trouxe. De veículo coletivizante, passou a veículo individualizante. Deixou a sala, onde falava para a família, e passou a falar a todos individualmente. Acompanha o ouvinte no carro, na cozinha, no quarto, na praia ou no local de trabalho. Atinge a todos sem distinção de escolaridade, classe social ou condição econômica. No Brasil, é sem dúvida o mais popular meio de comunicação e o de maior alcance público.
Voltando ao E por falar em ciência
Não foi possível avaliar a audiência de nosso programa. A razão é simples: E por falar em ciência era transmitido pela Rádio MEC, mas não tinha uma produção na emissora. Isso inviabilizava um contato mais íntimo entre o ouvinte e os integrantes da equipe. Vez por outro tínhamos notícia de que alguém havia ligado querendo falar com os responsáveis do programa. Por outro lado, o programa era gravado, o que impossibilitava a interatividade, que propicia exatamente a participação dos ouvintes.
Quando, eventualmente, levávamos ao ar um tema sobre ciência e tecnologia na série Diálogos, que era ao vivo, mediado pelo professor Luiz Alberto Sanz e por mim, podíamos medir o interesse dos ouvintes pelos assuntos tratados em função das perguntas e dos comentários que chegavam pelo telefone. Isso mostra a importância da interatividade no rádio. É nesse momento que entrevistados e ouvintes estabelecem um diálogo. O rádio ao vivo deve ser o objetivo de todos aqueles que pretendem se dedicar à comunicação radiofônica, aproximando o ouvinte de seus interlocutores, transformando-os de objetos da comunicação em sujeitos.
O programa E por falar em ciência, creio eu, foi uma experiência muito importante. Primeiro, porque a universidade é o lugar da reflexão, da análise, da experimentação, da pesquisa. É nela que se forma a massa crítica, e não apenas técnicos especializados em redação jornalística, em tecnologias e equipamentos, ou meros anotadores de declarações e opiniões alheias. Participando do projeto, muitos alunos se deram conta, que jornalismo científico não é uma atividade burocrática. Verificaram que, apesar do mercado de trabalho fechado nas editorias de ciência dos grandes jornais, aqueles que experimentaram o jornalismo científico na universidade podem perfeitamente atuar em assessorias de instituições científicas e de pesquisa, funcionando como repórteres, editores, redatores. Em segundo lugar, porque muitos ainda têm preconceito contra qualquer setor jornalístico que não seja político ou econômico, considerados setores nobres do jornalismo.
Gostaria de aproveitar para falar do mote que é muito usado nas emissoras de rádio por aqueles que têm domínio e poder sobre a programação. ficas e de pesquisa, funcionando como repatuar em assessorias de instituiçjetos da emunicaç exatamente a participaç precisal. � Para não colocar matérias, nem programas que divulguem ciência e tecnologia, eles simplesmente dizem que se trata de um assunto que não interessa aos ouvintes. Ora, alguma vez, alguém perguntou aos ouvintes o que eles gostariam de ouvir. Quando muito, a eles é submetido um questionário, que lista uma série de programas, ou assuntos, com a seguinte indagação: qual daqueles programas ou assuntos eles preferem?
O respeito às culturas regionais e locais
Num país de dimensões como o Brasil, com características regionais muito marcantes e variadas, a ciência tem, no rádio, um grande aliado. As emissoras locais e regionais encontram um vasto campo a ser explorado, principalmente nas áreas da saúde, da nutrição, da agricultura, do meio-ambiente. Nas universidades locais, os programas de pesquisa científica podem servir de pauta para programas de rádio. Além de contribuir para divulgar o que está sendo feito pelos nossos pesquisadores, esses programas contribuem para diminuir a distância cultural imposta à maioria da população brasileira, relegada à exclusão do saber por uma elite que se outorgou o direito de deter o conhecimento.
Formatos
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Reportagens - gravadas
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Mini-documentários - gravados
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Programa de entrevistas – gravado ou ao vivo.
Não importa qual o formato. Popularizar a produção científica brasileira é levar ao público, especialmente ao jovem a concepção de que a Ciência vale à pena, tanto para a sociedade e as empresas, quanto para o cidadão brasileiro. Para o cidadão, a Ciência pode ser uma aventura real e intelectual, uma experiência cultural, um elemento de valorização pessoal, uma profissão. Para a empresa, a ciência pode representar inovação, processos e produtos mais competitivos e lucrativos. E, para a sociedade, a Ciência pode representar riqueza e desenvolvimento econômico, bem-estar social, educação.
Eu gostaria de chamar a atenção, ainda, para o fato de estarmos vivendo, principalmente nas grandes cidades, a cultura do medo. Ela nos foi imposta, gradativamente, por nossa mídia que, na maioria dos casos, se limita a divulgar notícias sensacionalistas, negativas, não fazendo o contraponto com a divulgação do que se poderia chamar de boas notícias. Resultado: a nossa mídia acabou contribuindo para a construção de uma sociedade atormentada, retraída, angustiada, desesperançada e, por isso mesmo, individualista. Mas, do mesmo modo como essa sociedade foi forjada pela influência da mídia, também não se constrói uma sociedade cidadã sem informação. Não se troca o medo e o auto-confinamento pela esperança e liberdade sem estabelecer novos paradigmas, o que requer a introdução de mitos positivos e a divulgação de suas ações e imagens. Cientistas, pesquisadores, professores, alunos de pós-graduação, técnicos nos mais diversos ramos da ciência fazem parte desse exército de cidadãos que, trabalhando silenciosamente nas mais diferentes atividades da ciência, se empenha para transformar o sonho de uma sociedade cidadã em realidade. E, como não é possível conhecer o que não nos é comunicado, o rádio se mostra como um grande aliado para promover a mudança de que tanto precisamos.
Por fim, quero lembrar que, historicamente, cabe ao Estado, no Brasil, o fomento da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico em determinadas áreas, especialmente as consideradas estratégicas. A sociedade sendo a grande mantenedora desse sistema, por intermédio dos impostos que paga, deve ter o direito de conhecer os resultados de seus investimentos. O rádio, por ser uma concessão pública, tem o dever abrir espaço para essa prestação de contas à sociedade.